Dois irmãos venezuelanos tentam chegar a Roraima para pedir refúgio no Brasil — Foto: Jorge William (O Globo)
Um apagão no ápice da crise política e econômica na Venezuela fez Karen Uchoa, de 26 anos, e seu marido, Wendell Camejo, abandonarem o país em 2019. Recém-formados em Psicologia, eles já sofriam com os altos índices de desemprego, mas nada comparado às semanas em que viveram no escuro, sem água nem comida. — Depois que o país inteiro ficou parado por duas semanas consecutivas, sem eletricidade, as coisas começaram a piorar e decidimos que não dava mais — conta Karen, que hoje é professora de espanhol em um curso de idiomas ministrado por refugiados no Rio de Janeiro e desenvolvedora web.
A história do casal é um retrato dos mais de 510 mil venezuelanos que deixaram tudo para trás e vivem atualmente no Brasil, segundo dados do governo federal. Um movimento recorde que, em 2023, elevou o país da quinta para a terceira posição no ranking de principais destinos da população na América Latina. Mundialmente, o Brasil é a quarta nação que mais acolhe venezuelanos, atrás apenas da Colômbia, Peru e Estados Unidos, respectivamente.
Hoje, os venezuelanos já são a maior população de imigrantes no território brasileiro, mas este número pode aumentar ainda mais com o acirramento das tensões entre a Venezuela e a Guiana por Essequibo, região rica em petróleo que também faz fronteira com o Brasil. A secular disputa, reavivada recentemente pelo governo de Nicolás Maduro, é vista por analistas como uma tentativa de Maduro de angariar popularidade — na expectativa de que, num contexto de eleição presidencial no ano que vem, o nacionalismo ofusque a profunda crise na qual o país se afundou.
Mas os problemas que motivaram mais de 7,7 milhões de pessoas a deixar a Venezuela nos últimos anos persistem, e há quem acredite que eles podem se agravar ainda mais com um eventual conflito.
— A crise migratória dura há muito tempo porque suas causas persistem e até pioraram com o tempo. Primeiro, a economia do país não se recuperou e, segundo, não há perspectiva de que a situação política mude no curto ou mesmo no médio prazo — analisa Mariano de Alba, assessor sênior e especialista em Venezuela do Crisis Group.
Interiorização como estratégia Desde 2018, quando o governo brasileiro deu início à Operação Acolhida para responder ao enorme fluxo de migrantes vindos da Venezuela, quase 1 milhão de venezuelanos entraram no país, a maioria pela cidade de Pacaraima, em Roraima. Além dos postos de recepção, o programa conta com abrigos e postos de interiorização — uma estratégia para diminuir a pressão sobre os serviços públicos do estado e integrar os imigrantes ao mercado de trabalho em diferentes partes do país.
Para Carolina Nunes, gerente na ONG Refúgio 343, que apoia o governo no processo de interiorização, a ideia de que os imigrantes colaboram para o desemprego da população local não é verdadeira.
— Há muitas evidências de que os imigrantes incentivam a criação de empregos e o desenvolvimento da economia local, então eles complementam a força de trabalho que já existe e não competem — argumenta Nunes, afirmando que o grupo também contribui para a maior diversidade de serviços e representa mais um mercado de consumidores.
Perfil dos imigrantes e dados sobre os venezuelanos interiorizados na Operação Acolhida nos últimos cinco anos — Foto: Arte/O Globo Até outubro, a Operação Acolhida registrou mais de 117 mil venezuelanos interiorizados, espalhados por mais de mil municípios. Isso equivale a quase um quarto dos venezuelanos que vivem no país.
Os estados mais visados ficam no Sul, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e a Organização Internacional para as Migrações (OIM), da ONU. De acordo com o Caged de outubro, a região é responsável pelo maior número de postos de trabalho para a população migrante. No entanto, segundo Niusarete de Lima, coordenadora do Subcomitê Federal de Interiorização da OIM, o fenômeno se explica também por questões familiares.