Incêndio em balsas de garimpo na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Arquivo/CIR)
Em nota divulgada pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), lideranças de 77 comunidades da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS) admitiram ter incendiado duas balsas de garimpo no Rio Maú, em Essequibo, na fronteira entre o Brasil e a Guiana. Os líderes denunciam a omissão dos órgãos institucionais na fiscalização Da região das Serras, onde vivem indígenas Makuxi, Wapichana, Pantamona, Taurepang e Ingarikó.
Segundo a organização, durante o dia, a balsa ficava parada em território guianense e, à noite, atravessava para extrair minério no lado brasileiro. Em um vídeo publicado nas redes sociais, a empresária Rosângela Tomaz Delvídio se apresenta como proprietária do maquinário e relata que tem autorização das autoridades guianenses para operar na região.
“Eu acho errado porque atravessaram nadando até aqui. Ninguém me perguntou se a balsa tem documento. Pegaram a balsa da Guiana Inglesa, puxaram para o lado do Brasil e atearam fogo”, relata a responsável pela embarcação nas imagens. No mesmo vídeo, um homem identificado como Heraldo Tomaz Delvídio, tuxaua da Comunidade Santa Maria, critica a atitude dos indígenas e mostra um papel que, segundo ele, comprova que os garimpeiros estão autorizados a praticar mineração no trecho do rio pertencente à Guiana.
“Olha aqui o que fizeram com a balsa. Não vieram aqui conversar com ela. Tá vendo o estrago, né?”, diz o tuxaua enquanto grava a balsa destruída já em território brasileiro.
‘O garimpo é um câncer’
A queima das balsas foi realizada pelo Grupo de Proteção e Vigilância Territorial Indígena (GPVITI) em resposta à decisão unânime entre as lideranças que estiveram presentes na comunidade indígena Mutum, município de Uiramutã, para participar da 43ª Assembleia Geral da Região das Serras.
Em entrevista à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, o assessor jurídico do CIR, Ivo Makuxi, revelou que, só em novembro do ano passado, três denúncias sobre presença de garimpeiros na Terra Indígena Raposa Serra do Sol foram protocoladas junto ao Ministério Público Federal (MPF), à Polícia Federal (PF) e à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).]
“O poder público é muito lento. Nós já enviamos relatórios, fotos e vídeos que mostram a presença de garimpeiros da Raposa Serra do Sol, em especial, na região das Serras. A Polícia Federal chegou a sobrevoar a área e constatar o ocorrido, mas disse que não havia recursos orçamentários para fazer a ação de desintrusão. Frente à morosidade e inércia do governo brasileiro, os indígenas resolveram agir por conta própria”, disse o representante jurídico do CIR.
Para Ivo Makuxi, o avanço do garimpo na região das Serras se intensificou devido à migração de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami (TIY) para a Raposa Serra do Sol. O desmonte e omissão dos órgãos de fiscalização ambiental durante o Governo Bolsonaro também contribuíram para que os indígenas adquirissem autonomia no monitoramento dos territórios.
“O garimpo é um câncer. Além de poluir com mercúrio a água do rio que abastece as comunidades, leva álcool, drogas, aliciamento de jovens, prostituição, violência, ameaças de morte e insegurança para os territórios. A omissão do Estado em proteger as terras e os povos indígenas explica o porquê de nossas decisões”, completou o advogado.
Denúncia reincidente
Em junho de 2022, o Grupo de Proteção e Vigilância Territorial Indígena chegou a queimar outra balsa que extraía minério no lado brasileiro do Rio Maú. Lideranças da Terra Indígena Raposa Serra do Sol também chegaram a apreender centenas de materiais de garimpo. À época, a denúncia foi encaminhada às autoridades competentes, mas não houve solução efetiva.
Em setembro do mesmo ano, indígenas que faziam monitoramento na Comunidade Pedra Branca, na Raposa Serra do Sol, abordaram um carro carregado de equipamentos que seriam usados pelo garimpo ilegal. O destino dos materiais era, novamente, a Comunidade Mutum. A Polícia Federal e a Funai chegaram a ser acionadas por meio de ofício, mas também não obtiveram resposta efetiva.
Incêndio criminoso
Ainda em setembro de 2022, a casa da tuxaua da Comunidade Mutum, Santília Merequio Macuxi, foi incendiada. Segundo a liderança, o ataque foi uma resposta dos garimpeiros presentes na região às atividades de vigilância e monitoramento para frear a entrada de não indígenas sem autorização, garimpeiros ilegais, maquinário de garimpo, bebidas alcoólicas e drogas ilícitas.
Na casa da tuxaua estavam documentos de interesse coletivo da Comunidade Mutum. Utensílios pessoais da liderança também foram queimados no incêndio. Ao Conselho Indígena de Roraima, a tuxaua relatou a insegurança sentida por todos da comunidade e destacou que a região é escolhida por foragidos do sistema prisional brasileiro, garimpeiros ilegais e organizações criminosas. Outra denúncia foi oficializada junto ao MPF, Funai e PF, mas não teve efeito.
A proteção e vigilância territorial feita pelos indígenas é uma das formas de ampliar a autonomia na fiscalização das áreas demarcadas. O grupo foi criado em resposta à insuficiente presença do poder público nas regiões constantemente invadidas por não indígenas. O objetivo também é fazer valer o trecho da Constituição Federal que estabelece o direito ao usufruto exclusivo dos territórios pelos indígenas.
Enquanto o Estado não for de fato presente nos territórios, vamos manter nossas estratégias para a garantia da paz nos territórios. O que vemos, hoje, são comunidades ameaçadas, inseguras e mantidas em um ambiente hostil por conta de criminosos fortemente equipados e armados”, desabafou Makuxi.