Entre 2019 e 2023, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o PIB do país tenha saído de US$ 5,17 bilhões (R$ 27,7 bilhões) para US$ 14,7 bilhões (R$ 68,2 bilhões), um salto de 184%. Em 2022, o crescimento do PIB foi de impressionantes 62%.
Na mesma proporção, o PIB per capita (divisão da riqueza do país pelo número de habitantes) também cresceu. Segundo o Banco Mundial, saiu de US$ 6.477 (aproximadamente R$ 31 mil) dólares em 2019 para US$ 18.199 (R$ 87 mil) dólares em 2022.
Para efeito de comparação, esse valor é mais que o dobro do PIB per capita brasileiro, que em 2022 foi de US$ 8.917 (R$ 39,9 mil).
"É como se o país tivesse ganhado na loteria. É uma chance que só aparece uma vez na vida. Há um otimismo muito grande no país", disse à BBC News Brasil Diletta Doretti, representante do Banco Mundial para a Guiana e Suriname, que vive há dois anos em Georgetown.
Na esteira do crescimento gerado pelo petróleo, outros setores da economia do país também cresceram. De acordo com o FMI, o crescimento do PIB não relacionado ao petróleo como indústria, agricultura e construção civil em 2022 foi de 11,5%. Os reflexos são visíveis pelas principais cidades do país como a capital, Georgetown.
É possível ver guindastes e operários trabalhando em obras de infraestrutura como hospitais, rodovias, pontes e portos e na construção de hotéis de luxo de redes internacionais como as americanas Marriot e Best Western.
Ao longo das novas rodovias, há dezenas de galpões recém-construídos repletos de tratores, escavadeiras e outros equipamentos para a construção pesada para atender à demanda por obras do país.
Foi por conta desse boom econômico que os irmãos Misir decidiram voltar, ainda que não de forma definitiva, à Guiana. Desde 2021, a dupla faz viagens frequentes entre Toronto, no Canadá, e Georgetown para tocar os novos negócios.
Ele explica que o dinheiro gerado pelo petróleo vem criando oportunidades tanto para o surgimento de uma nova classe média quanto para a atual elite do país.
"As pessoas se sentem mais seguras. Elas sentem que são parte de algo do que elas podem se beneficiar", diz Misir. "Há muita gente rica na Guiana que está indo para o ramo imobiliário ou que está atuando na cadeia de suprimentos da indústria do petróleo."
Nos subúrbios de Georgetown, as mudanças dão a dimensão das transformações pelas quais o país vem passando — e de como o novo dinheiro que circula no país está criando novos hábitos e paisagens.
Antigas plantações de arroz e cana-de-açúcar, que antes eram importantes fontes de riqueza do país, agora dão lugar a shopping centers com lojas de franquias globais e condomínios fechados que abrigam tanto a nova elite do país quanto os imigrantes que chegam para trabalhar na indústria do petróleo.
Um desses shoppings é o Amazonia Mall, na margem leste do Rio Demerara, a pouco mais de meia hora de carro do centro da cidade. À distância, é possível ver a placa de uma das suas principais lojas: uma franquia da Starbucks.
A loja foi inaugurada em abril de 2023, tem mais de 200 metros quadrados e 50 funcionários. Ela fica frequentemente lotada. Procurada pela BBC News Brasil, a Starbucks disse que a abertura da loja no país se deveu ao fato de que o país é, hoje, "um mercado vibrante".
Canteiro de obras global
Há outros sinais que evidenciam a velocidade com a qual a nova riqueza do petróleo chega à Guiana. O país passou a atrair empreiteiras de diversos países, inclusive do Brasil, em busca de contratos para construção de obras de infraestrutura que o país, há décadas, necessitava.
Dados oficiais apontam que o governo destinou US$ 187 milhões (R$ 925 milhões) em projetos de infraestrutura como rodovias e portos em 2019, o primeiro ano da exploração comercial de petróleo no país. Em 2023, o valor subiu para US$ 650 milhões (R$ 3,2 bilhões), um crescimento de 247%.
"Moro aqui há quase dois anos. Toda vez que viajo para fora do país, eu percebo a diferença quando retorno", diz Diletta Doretti, do Banco Mundial.
"Há muita infraestrutura sendo construída como rodovias novas e hoteis. Você percebe, também, o grande número de missões de negócios que chegam ao país."
Em meio ao fluxo sem precedentes de recursos, o país se transformou em uma espécie de canteiro de obras global. A Guiana também passou a ser cortejada por países que oferecem crédito para financiar empreiteiras.
"Temos companhias oriundas do bloco europeu, da China, da Índia, Estados Unidos, Canadá e brasileiras", disse à BBC News Brasil Deodat Indar, que ocupa o cargo equivalente ao de vice-ministro de Obras Públicas da Guiana.
A China aparece nesse tabuleiro como um dos principais jogadores. Além de expertise em projetos de infraestrutura, o país tem oferecido dinheiro à Guiana para financiar obras contratadas por empreiteiras do país.
Um consórcio de empresas chinesas, por exemplo, venceu a licitação para a construção de uma nova ponte sobre o rio Demerara. A obra foi financiada pelo Banco da China.
O projeto é considerado vital para o desenvolvimento do país, porque a ponte vai substituir uma com mais de 30 anos de uso cujo fluxo é interrompido várias vezes ao dia para a passagem de embarcações pelo rio.
A nova ponte terá uma estrutura pênsil e permitirá o tráfego de navios abaixo dela. O projeto está avaliado em US$ 260 milhões (R$ 1,4 bilhão). Empreiteiras do país também são responsáveis pela construção de hotéis e de uma série de hospitais contratados pelo governo da Guiana.
Mas a China tem concorrentes. Em 2022, uma empreiteira da Índia ganhou um contrato para a construção de uma rodovia avaliada em US$ 106 milhões (R$ 524 milhões).
Na esteira do crédito internacional, a Áustria também ofereceu crédito para que uma empresa daquele país pudesse construir um hospital público contratado pelo governo da Guiana. O valor do projeto é de US$ 161 milhões (R$ 796 milhões).
Algumas empresas trazem com elas empregados de seus próprios países. É o caso do consórcio chinês que constrói a ponte sobre o rio Demerara. O canteiro de obras do projeto é dividido por operários chineses e guianenses.