31/01/2024 às 17h35min - Atualizada em 31/01/2024 às 17h35min

GUIANA: A riqueza na 'Dubai' vizinha ao Brasil: 'É como se país tivesse ganhado na loteria'

A Guiana tinha uma economia baseada na agricultura de subsistência, mineração de ouro e diamantes e extração de madeira. A partir de 2019, no entanto, as receitas do petróleo passaram a turbinar o PIB do país

- Fonte: BBC
Georgetown, a capital da Guiana, o país que mais cresce no mundo com o boom do petróleo.
Em 1982, os irmãos Shiv e Hemant tinham 19 e 16 anos, respectivamente, quando deixaram a Guiana rumo ao Canadá. Na época, a dupla deixava para trás um dos países mais pobres do mundo, seguindo os passos de milhares de outros jovens guianenses em busca de uma vida melhor.

Na América do Norte, constituíram família e fizeram carreiras no setor imobiliário e financeiro. Trinta e nove anos depois, em 2021, eles fizeram o caminho inverso. Era hora de voltar, disse Shiv Misir, hoje com 60 anos, à BBC News Brasil.

Os irmãos foram atraídos pelos bilhões de petrodólares que turbinaram a economia do país nos últimos anos. Eles montaram um escritório de corretagem imobiliária especializado em vender e alugar imóveis de alto padrão na capital do país, Georgetown.

Shiv e Hemant são dois representantes da nova classe média que surgiu (ou que retornou) ao país nos últimos anos desde o início da exploração de petróleo no país.

Iniciada em 2019, essa exploração transformou a antiga colônia britânica em uma das economias que mais cresce no mundo. A Guiana é um país localizado no norte da América do Sul, entre o Suriname e a Venezuela. Tem pouco mais de 800 mil habitantes e surgiu como uma colônia inicialmente holandesa para a produção de cana-de-açúcar.

Somente em 1966 o país foi declarado independente do Reino Unido. Em 2015, a petroleira americana Exxon Mobil anunciou a descoberta de campos de petróleo gigantes e economicamente viáveis na costa do país. Nos anos seguintes, o consórcio composto pela Exxon Mobil, a também americana Hess e a chinesa CNOOC arrematou poços a pouco mais de 200 quilômetros da costa guianense.

Até o momento, foram descobertas reservas de aproximadamente 11 bilhões de barris de petróleo, mas estimativas mais recentes apontam que esse volume pode chegar a 17 bilhões.

O valor seria maior que todas as reservas provadas de petróleo do Brasil, estimadas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) em 14 bilhões de barris.
Até então, a Guiana tinha uma economia baseada na agricultura de subsistência, mineração de ouro e diamantes e extração de madeira.
A partir de 2019, as receitas do petróleo passaram a turbinar o Produto Interno Bruto (PIB) do país.

Em 2020, o então ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, chegou a comparar o país a uma das cidades dos Emirados Árabes Unidos que virou símbolo da riqueza gerada pelo petróleo.


'É como se o país tivesse ganhado na loteria'
Hotel em construção na Guiana

Hotel em construção na Guiana

CRÉDITO,LEANDRO PRAZERES/BBC NEWS BRASIL

Legenda da foto,

Hotel da rede norte-americana Best Western sendo construído em Georgetown por empreiteira chinesa

Entre 2019 e 2023, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o PIB do país tenha saído de US$ 5,17 bilhões (R$ 27,7 bilhões) para US$ 14,7 bilhões (R$ 68,2 bilhões), um salto de 184%. Em 2022, o crescimento do PIB foi de impressionantes 62%.

Na mesma proporção, o PIB per capita (divisão da riqueza do país pelo número de habitantes) também cresceu. Segundo o Banco Mundial, saiu de US$ 6.477 (aproximadamente R$ 31 mil) dólares em 2019 para US$ 18.199 (R$ 87 mil) dólares em 2022.

Para efeito de comparação, esse valor é mais que o dobro do PIB per capita brasileiro, que em 2022 foi de US$ 8.917 (R$ 39,9 mil).

"É como se o país tivesse ganhado na loteria. É uma chance que só aparece uma vez na vida. Há um otimismo muito grande no país", disse à BBC News Brasil Diletta Doretti, representante do Banco Mundial para a Guiana e Suriname, que vive há dois anos em Georgetown.

Na esteira do crescimento gerado pelo petróleo, outros setores da economia do país também cresceram. De acordo com o FMI, o crescimento do PIB não relacionado ao petróleo como indústria, agricultura e construção civil em 2022 foi de 11,5%. Os reflexos são visíveis pelas principais cidades do país como a capital, Georgetown.

É possível ver guindastes e operários trabalhando em obras de infraestrutura como hospitais, rodovias, pontes e portos e na construção de hotéis de luxo de redes internacionais como as americanas Marriot e Best Western.

Ao longo das novas rodovias, há dezenas de galpões recém-construídos repletos de tratores, escavadeiras e outros equipamentos para a construção pesada para atender à demanda por obras do país.

Foi por conta desse boom econômico que os irmãos Misir decidiram voltar, ainda que não de forma definitiva, à Guiana. Desde 2021, a dupla faz viagens frequentes entre Toronto, no Canadá, e Georgetown para tocar os novos negócios. 

Ele explica que o dinheiro gerado pelo petróleo vem criando oportunidades tanto para o surgimento de uma nova classe média quanto para a atual elite do país.

"As pessoas se sentem mais seguras. Elas sentem que são parte de algo do que elas podem se beneficiar", diz Misir. "Há muita gente rica na Guiana que está indo para o ramo imobiliário ou que está atuando na cadeia de suprimentos da indústria do petróleo."

Casas construídas na Guiana

Casas construídas na Guiana

CRÉDITO,LEANDRO PRAZERES/BBC NEWS BRASIL

Legenda da foto,

Áreas antes usadas para plantar cana-de-açúcar e arroz agora dão lugar a casas de luxo e condomínios fechados nos subúrbios de Georgetown

Nos subúrbios de Georgetown, as mudanças dão a dimensão das transformações pelas quais o país vem passando — e de como o novo dinheiro que circula no país está criando novos hábitos e paisagens.

Antigas plantações de arroz e cana-de-açúcar, que antes eram importantes fontes de riqueza do país, agora dão lugar a shopping centers com lojas de franquias globais e condomínios fechados que abrigam tanto a nova elite do país quanto os imigrantes que chegam para trabalhar na indústria do petróleo.

Um desses shoppings é o Amazonia Mall, na margem leste do Rio Demerara, a pouco mais de meia hora de carro do centro da cidade. À distância, é possível ver a placa de uma das suas principais lojas: uma franquia da Starbucks.

A loja foi inaugurada em abril de 2023, tem mais de 200 metros quadrados e 50 funcionários. Ela fica frequentemente lotada. Procurada pela BBC News Brasil, a Starbucks disse que a abertura da loja no país se deveu ao fato de que o país é, hoje, "um mercado vibrante".

Canteiro de obras global

Obra de ponte

Obra de ponte

CRÉDITO,LEANDRO PRAZERES/BBC NEWS BRASIL

Legenda da foto,

Operários chineses e guianenses trabalham em obra de ponte sobre o rio Demerara, na Guiana

Há outros sinais que evidenciam a velocidade com a qual a nova riqueza do petróleo chega à Guiana. O país passou a atrair empreiteiras de diversos países, inclusive do Brasil, em busca de contratos para construção de obras de infraestrutura que o país, há décadas, necessitava.

Dados oficiais apontam que o governo destinou US$ 187 milhões (R$ 925 milhões) em projetos de infraestrutura como rodovias e portos em 2019, o primeiro ano da exploração comercial de petróleo no país. Em 2023, o valor subiu para US$ 650 milhões (R$ 3,2 bilhões), um crescimento de 247%.

"Moro aqui há quase dois anos. Toda vez que viajo para fora do país, eu percebo a diferença quando retorno", diz Diletta Doretti, do Banco Mundial.

"Há muita infraestrutura sendo construída como rodovias novas e hoteis. Você percebe, também, o grande número de missões de negócios que chegam ao país."

Em meio ao fluxo sem precedentes de recursos, o país se transformou em uma espécie de canteiro de obras global. A Guiana também passou a ser cortejada por países que oferecem crédito para financiar empreiteiras.

"Temos companhias oriundas do bloco europeu, da China, da Índia, Estados Unidos, Canadá e brasileiras", disse à BBC News Brasil Deodat Indar, que ocupa o cargo equivalente ao de vice-ministro de Obras Públicas da Guiana.

A China aparece nesse tabuleiro como um dos principais jogadores. Além de expertise em projetos de infraestrutura, o país tem oferecido dinheiro à Guiana para financiar obras contratadas por empreiteiras do país.

Um consórcio de empresas chinesas, por exemplo, venceu a licitação para a construção de uma nova ponte sobre o rio Demerara. A obra foi financiada pelo Banco da China.

O projeto é considerado vital para o desenvolvimento do país, porque a ponte vai substituir uma com mais de 30 anos de uso cujo fluxo é interrompido várias vezes ao dia para a passagem de embarcações pelo rio.

A nova ponte terá uma estrutura pênsil e permitirá o tráfego de navios abaixo dela. O projeto está avaliado em US$ 260 milhões (R$ 1,4 bilhão). Empreiteiras do país também são responsáveis pela construção de hotéis e de uma série de hospitais contratados pelo governo da Guiana.

Mas a China tem concorrentes. Em 2022, uma empreiteira da Índia ganhou um contrato para a construção de uma rodovia avaliada em US$ 106 milhões (R$ 524 milhões).

Na esteira do crédito internacional, a Áustria também ofereceu crédito para que uma empresa daquele país pudesse construir um hospital público contratado pelo governo da Guiana. O valor do projeto é de US$ 161 milhões (R$ 796 milhões).

Algumas empresas trazem com elas empregados de seus próprios países. É o caso do consórcio chinês que constrói a ponte sobre o rio Demerara. O canteiro de obras do projeto é dividido por operários chineses e guianenses.


Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Comentar

*Ao utilizar o sistema de comentários você está de acordo com a POLÍTICA DE PRIVACIDADE do site https://peronico.com.br/.
Fale pelo Whatsapp
Atendimento
Precisa de ajuda? fale conosco pelo Whatsapp