17/03/2024 às 06h36min - Atualizada em 17/03/2024 às 06h36min

Desafios socioeconômicos e ambientais impõem mudanças na regulamentação do garimpo na Amazônia

Garimpo ilegal em terras indígenas: a maior parte da extração está localizada na Amazônia. Fonte: Agência Senado

A crescente preocupação global com a preservação ambiental e com a redução dos efeitos da crise climática coloca o Brasil diante de um desafio crucial: conciliar a atividade de garimpo e mineração com a necessidade de conservação do meio ambiente. Em um país rico em recursos naturais, a regulamentação, fiscalização e transparência envolvendo essas atividades desempenham um papel fundamental na garantia de um equilíbrio para o desenvolvimento socioeconômico e sustentável do país. Por esse motivo, o assunto tem sido frequente nos debates do Senado.

Apesar de ser reconhecida por ser a maior reserva de biodiversidade do planeta, a Amazônia Legal, por exemplo,  apresenta aspectos econômicos e sociais que a colocam entre as regiões mais pobres do Brasil. Um terço dos moradores nos 5 milhões de quilômetros quadrados da área, que abrange nove estados, são pobres e sofrem privações sociais consideráveis, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2022.

Esse cenário desperta visões diferentes sobre o tema e a apresentação de iniciativas em várias frentes de atuação. Enquanto a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) avançou com a aprovação, em primeiro turno, do projeto de lei (PL 836/2021) do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que aprimora os instrumentos de controle sobre a produção, a venda e o transporte de ouro no país para combater as atividades de garimpo ilegal, a Comissão de Infraestrutura (CI) debateu uma proposta (PL 2.973/2023) do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) que libera o garimpo em áreas reservadas à pesquisa mineral.

A área ocupada pelo garimpo ilegal no Brasil, segundo dados do MapBiomas, aumentou significativamente em 2022: Nada menos de 35 mil hectares (o tamanho corresponde a uma cidade como Curitiba). Esse crescimento se deu basicamente na Amazônia, que em 2022 concentrava quase a totalidade (92%) da terra garimpada no país. Quase metade (40,7%) dos garimpos nesse bioma foi iniciada nos últimos cinco anos. No Brasil, 85,4% dos 263 mil hectares garimpados são para extração de ouro. 

Conforme a extração ilegal avança, o impacto ambiental, econômico e humanitário se agrava. Só  o garimpo na Terra Indígena Yanomami, em Roraima levou ao desmatamento de 232 hectares de floresta amazônica em 2022, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o que representa um aumento de 24,7% em relação ao índice registrado no ano anterior (186 hectares).

Ainda recorrendo ao levantamento do MapBiomas, foi constatada uma aceleração da atividade garimpeira em áreas protegidas. Em 2022, mais de 25 mil hectares em Terras Indígenas (TIs) e de 78 mil hectares em Unidades de Conservação (UCs) eram ocupados pelo garimpo. Em 2018, haviam sido 9,5 mil e 44,7 mil hectares, respectivamente. Em 2022, 39% da área garimpada no Brasil estava dentro de uma TI ou UC. 

Quase metade (43%) da área garimpada em UCs foi aberta nos últimos cinco anos. As mais invadidas por garimpeiros são a APA do Tapajós (51,6 mil hectares), a Flona do Amaná (7,9 mil hectares), Esec Juami Japurá (2,6 mil hectares), Flona do Crepori (2,3 mil hectares) e Parna do Rio Novo (2,3 mil hectares).

Regulamentação

Durante os debates sobre o PL 836/2021, senadores, representantes do governo, de cooperativas, do Banco Central, da Polícia Federal e de associações cooperativas defenderam a necessidade de ampliar a regulamentação do mercado de ouro, através da rastreabilidade, como mecanismo para reduzir a extração ilegal em áreas de conservação e a proliferação do uso do comércio do minério para a prática de outros crimes, como o tráfico de armas e o narcotráfico. Sem contar com a degradação severa do meio ambiente provocada pelo assoreamento dos rios e a contaminação de suas águas e alimentos.

O secretário-executivo adjunto do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Manoel Carlos de Almeida Neto, ressaltou durante o debate que a regulação do setor vai minimizar os danos inerentes à atividade de extração e perturbadores do meio ambiente.

— Por mais sustentável que seja a exploração, algum dano fica, seja ele ambiental, seja o uso do mercúrio ou impacto numa área de conservação [...] É muito importante que o Estado tenha pleno controle sobre o que está acontecendo para minimizar e reduzir o dano — recomendou.

Segundo o estudo “A nova corrida do ouro na Amazônia”, realizado pelo Instituto Escolhas e outras entidades, “é extremamente fácil comercializar ouro ilegal no Brasil”. Um garimpeiro precisa apenas mostrar seu documento de identidade, preencher um formulário à mão e declarar a origem do metal, sem a necessidade de qualquer tipo de comprovação.

Dessa forma, o ouro ilegal entra no mercado financeiro por meio da sua venda para as DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários), que são os postos de compras de ouro das instituições financeiras localizadas na Amazônia. A partir de então, passa a ser comercializado “legalmente”.

Ainda de acordo com o estudo, entre 2015 e 2020, foram comercializadas 229 toneladas de ouro com graves indícios de ilegalidade, o que equivale a cerca de metade da produção nacional. Nos territórios indígenas, os garimpos cresceram cinco vezes em dez anos, tendo como uma das consequências, episódios de violência contra os povos originários e a degradação dos recursos naturais. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) entende que a proposta vai ajudar a melhorar esse cenário.

— [A rastreabilidade ] é uma realidade mundial ] e já ocorre em vários segmentos que vão impactar a relação do Brasil com o mundo e com o comércio. Nós estamos aqui focando justamente esse contexto para combater o garimpo ilegal. E garantir e dar preservação e sustentabilidade para toda e qualquer pessoa que está direta ou indiretamente trabalhando nessa rastreabilidade do ouro.

Regras

O projeto, relatado na CAE pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO), traz regras para a implementação de lastros minerário e ambiental e revoga dispositivos normativos que favorecem a comercialização ilegal de ouro. A matéria determina ainda que somente pessoas jurídicas estão autorizadas a comercializar o minério, a fim de otimizar o monitoramento das transações.

Além disso, acaba com o conceito de boa-fé na compra de ouro de garimpo. Impede, portanto, que empresas autorizadas pelo Banco Central a fazerem a primeira aquisição de ouro de garimpo possam se valer da boa-fé para alegar que acreditavam que a origem daquele ouro vinha de garimpos legalizados.

Na avaliação do senador Jaime Bagattoli (PL-RO), as regras permitirão que a atividade garimpeira gere mais emprego e renda, além do aumento na arrecadação. O que, na sua visão, pode ajudar a melhorar os índices socioeconômicos da região Norte:

— Precisamos regularizar para que as cooperativas e associações, dentro de uma forma legal, possam fazer a exploração de forma consciente, de forma que respeite o meio ambiente.

Liberação

Em outra frente, o parlamentar tem se debruçado sobre sugestões legislativas que visam ampliar a atuação legal dos garimpeiros e assim, expandir as oportunidades na região rica em minérios.

É o caso do projeto de lei 2.973/2023, do senador Zequinha Marinho, que libera o garimpo em áreas reservadas à pesquisa mineral. Considerado polêmico pelo próprio autor, o tema ainda divide a opinião de parlamentares, representantes da indústria e técnicos que lidam diretamente com a atividade.

Segundo o Ministério de Minas e Energia, as autorizações de pesquisa respondem por metade das áreas outorgadas em processos minerários no Brasil. São mais de 92 mil processos, relativos a 103 milhões de hectares. As 3 mil lavras garimpeiras representam apenas 0,66% dos processos e se referem a 1,3 milhão de hectares.

O projeto estabelece que a lavra garimpeira só poderá ser concedida se o minério a ser extraído for diferente daquele objeto da pesquisa. O prazo de permissão será de três anos, renovável por igual período. Ainda de acordo com a matéria, a área liberada para o garimpo não pode ultrapassar 25% do trecho reservado à pesquisa.

Zequinha Marinho alega que a iniciativa libera para o pequeno minerador áreas bloqueadas por requerimentos de pesquisa concedidos a grandes empresas. Ele ainda argumenta que a atual situação exclui mais de 600 mil garimpeiros espalhados pela Amazônia os quais buscam sobreviver e sustentar suas famílias através da atividade.

— Enormes áreas continuam indisponíveis para o pequeno minerador. Não faz sentido impedir a exploração de minerais destinados à construção civil, como areia e saibro, só porque uma área é onerada por autorização de pesquisa para outro mineral. Ali não pode, congelou. Tem que haver uma forma de se trabalhar isso. O tema é chato? É complicado? Fazer o quê? Aqui é lugar de usar a massa cinzenta e tentar encontrar uma saída — argumentou durante audiência pública.

Economia familiar

No mesmo sentido, o projeto (PL 763/2024) do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), apresentado recentemente, vem reforçar a luta pela ampliação da prática do garimpo. A matéria busca regulamentar a atividade de extração de substâncias minerais garimpáveis por pessoas físicas, que tenham nacionalidade brasileira e atuem individualmente, ou em forma associativa, em regime de economia familiar.

Entre as regras, o texto reconhece o regime de economia familiar aquele em que a atividade de extração de minérios garimpáveis seja realizada como principal meio de subsistência da família, envolvendo o trabalho direto dos membros da família no processo de extração mineral.

Também determina que a atividade tenha cadastro específico junto aos órgãos competentes para o exercício do garimpo e as áreas delimitadas considerem critérios técnicos e socioambientais. 

Já em relação as zonas de extração, elas serão previamente estabelecidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM), e quando a comercialização forem oriundas de Terras Indígenas homologadas ou em processo de demarcação, e de Unidades de Conservação, esta deverá ser fiscalizada pela União e pelo órgão federal de assistência ao indígena.

Além disso, o aproveitamento e a lavra das riquezas minerais em Terras Indígenas só poderão ser efetivados com a participação do órgão federal de assistência ao indígena, ouvidas as comunidades envolvidas.

Mecias de Jesus alega que o garimpo realizado por pessoas físicas para subsistência da própria família é uma atividade tradicional e fundamental no Norte do país.

Ele argumenta ainda que a própria Constituição garante que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios devem ser destinadas ao usufruto “exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. No entanto, para isso, acrescenta, “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, avanço que, segundo ele, nunca foi efetivado pelo Legislativo.

“A falta de regulamentação adequada da atividade tem gerado problemas socioeconômicos e ambientais. A ausência de um marco legal claro tem levado à informalidade, à falta de segurança jurídica e à exploração desordenada dos recursos minerais, resultando em impactos negativos para o meio ambiente e para as comunidades envolvidas”, afirma na justificação do projeto.

Os dois projetos sobre o garimpo integram um conjunto de propostas que colocam em lados opostos os ambientalistas e o setor produtivo. O pacote engloba ainda a proposta da Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021), que está sendo analisado nas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura (CRA), e busca flexibilizar normas e dispensa algumas atividades da obtenção do licenciamento ambiental. Além do PL 510/2021, do senador Irajá (PSD-TO), que trata da regularização fundiária, também tramitando nas mesmas comissões.

Fonte: Agência Senado


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