29/03/2024 às 20h18min - Atualizada em 29/03/2024 às 20h18min
Paulo César Quartieiro, ex-vice governador de RR tem fazenda embargada e é multado em R$ 1 milhão no Pará
Sem licença, fazenda 'Acostumado' tinha produção de arroz e criação de gado em área maior que a capital do Espírito Santo. Uso de agrotóxicos afetava comunidades. Proprietário não foi preso e foi alvo de boletim de ocorrência por homofobia contra agente.
Quartieiro foi expulso da terra indígena Raposa Serra do Sol em RR e se estabeleceu na Ilha do Marajó, no Pará. A fazenda "Acostumado" do ex-vice-governador de Roraima, Paulo César Quartieiro, foi alvo de uma operação ambiental, com apoio de policiais civis, em Cachoeira do Arari, no arquipélago do Marajó. Multado em R$1 milhão, Quartieiro se recusou a assinar termo de interdito e deixou a delegacia. Um agente ambiental afirma que ele ainda fez xingamentos e um boletim de ocorrência foi registrado por crime de homofobia - equiparado à injúria racial no Brasil.
Foram dois autos de infração, e um termo de interdição, aplicando multas ambientais na operação denominada "Mal Acostumado", envolvendo agentes do Estado e do Município de Cachoeira do Arari, além da Polícia Científica, na quinta-feira (28). No total foram R$ 1.026.750,00 em multas.
Uma das multas foi pela operação irregular de depósito de combustíveis; outra pela navegação pelo rio sem licença ambiental; e outra pela atividade sem licença de agropecuária, na produção de arroz, milho, criação de gado, e outros cultivos agrícolas. Segundo as investigações, comunidades eram impactadas pelo uso de agrotóxicos e as atividades vêm causando impactos ambientais na região.
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Agrotóxicos e combustível apreendidos na fazenda de quartieiro Uma quantidade não informada de combustível foi apreendida pelos agentes e a fazenda foi proibida de comercializar produtos agrícolas, segundo o delegado Sandro Castro, titular da Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Animal (Demapa).
Confusão em delegacia
Na delegacia, Quartieiro gravou um vídeo no momento em que os agentes ambientais aplicavam as multas. Um agente ambiental afirma que, depois disso, foi alvo de ofensas homofóbicas por parte de Quartieiro durante a aplicação das multas dentro da delegacia de Polícia Civil.
Um boletim de ocorrência registrado na Delegacia de Cachoeira do Arari cita que, quando o agente estava lavrando os autos de infração dos crimes ambientais e o interdito das atividades, Quartieiro se recusou em assinar o Termo de Interdição, e dois autos de infração ambiental, em seguida, disparou ofensas de cunho homofóbico e deixou a delegacia.
| Terras da fazenda de Quartieiro na ilha de Marajó, no Pará. Por telefone, Quartieiro confirmou que não assinou o termo de interdição, "porque isso levaria à paralisação e falência da fazenda". Ele também reconheceu que não possuía as licenças. "Só o fato de interditar, já está nos levando à falência, independente de estar certa ou errada. Essa acusação é uma coisa ridícula, estão apelando para a narrativa", afirmou.
Ele disse, ainda, que "a operação tem caráter político" e que afirma estar sendo "perseguido por um esquema ambiental da Semas".
Operação 'Mal Acostumado'
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Arroz Acostumado, marca dos produtos de Quartieiro. A fazenda de Quartieiro tem mais de 12 mil hectares - maior que a cidade Vitória, capital do Espírito Santo - e fica em Cachoeira do Arari, distante 127,0 km de Belém.
Os detalhes da operação não foram divulgados oficialente pelos órgãos estaduais até esta sexta-feira (29).Procurada pelo g1, a Polícia Civil informou em nota que, em conjunto com a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), "constatou atividade rural sem licença ambiental, uso indevido de agrotóxicos e um posto de combustível irregular, durante apuração de denúncias de danos ao meio ambiente" na fazenda de Quartieiro.
"Após ser autuado administrativamente pelos crimes ambientais, o proprietário desacatou e praticou ofensas homofóbicas aos agentes ambientais, sendo autuado pelos crimes de desacato e injúria racial. As investigações seguem em andamento para apurar todos os crimes", informou.
Quartieiro não foi preso. Ao g1, ele disse, ainda sem apresentar documentos, que havia solicitado licença ambiental para operar na fazenda, mas não obteve resposta. Além disso, afirmou que discordava da aplicação do interdito contra a fazenda, assumindo não ter assinado o documento na delegacia.
A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) informou "que o empreendimento em questão não tem licenciamento válido para funcionar e que aplicou multa no valor de R$ 1.026.750.00 ao proprietário pelas atividades de depósito de óleo diesel sem licença além do uso de hidrovias e atividade agropecuária sem autorização".
Também envolvida nas apurações, a secretária Municipal de Meio Ambiente, Juliete Miranda, informou que "muitas pessoas adoeciam com a pulverização de agrotóxicos", o que levou à operação de uma semana resultando na aplicação das multas.
"Esse empreendimento só causou dano ambiental ao nosso município de Cachoeira do Arari . Me sinto hoje aliviada porque a gestão municipal nunca foi omissa e temos anos de luta contra esse empreendimento. Agora tivemos a resposta do Estado", ela afirmou.Agentes fizeram autos de infração ambiental dentro da
Histórico de multas ambientais e conflitos
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Captação de água irregular para irrigar as lavouras de Quartieiro. Além de vice-governador, Quartieiro foi também deputado federal pelo partido Democratas, exercendo mandato entre 2011 e 2015. O gaúcho chegou ao Marajó em 2010, segundo ele, a convite de federações ligadas ao agronegócio no Pará.
Em 2021, ele foi condenado a pagar R$200 mil por liderar um ataque a indígenas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, depois de ter sido preso em 2008. Outras três pessoas e mais três associações indígenas também foram condenados.
À época, o ataque destruiu cerca de 34 casas e deixou um indígena ferido, no dia 23 de novembro de 2004, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF). Um grupo armado invadiu e incendiou as comunidades indígenas Jauari, Homologação, Brilho do Sol e os retiros Insikiran e Tal-Tal.
A ação tinha sido em protesto à visita do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, durante o processo de homologação da terra no Norte do estado, conforme o MPF. No ataque, foram usadas motosserras, veículos e armas, incompatíveis com o poder econômico dos indígenas, segundo o magistrado.
O fazendeiro, na época em que foi prefeito de Pacaraima, em Roraima, também já foi multado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) em R$ 30,6 milhões por crime ambiental.
Um laudo apontou, em 2008, que ele cometeu quatro irregularidades ambientais: desmatou uma área de preservação permanente, impediu a regeneração natural, destruiu uma reserva natural e desmatou e explorou além da permissão que tinha do estado.
Fiscais do instituto então embargaram 2,8 mil hectares da fazenda Depósito, em Roraima, e suspenderam as atividades de plantação de arroz, criação de gado e porco.
Outro lado Quartieiro confirmou, ao g1, que opera depósito de combustível, navegação por rios e atividades agropecuárias sem licenças, mas afirmou que "nem sabia que tinha licença para navegar na baía" e que "fez pedido de licença para a fazenda há quase dois anos, mas a Semas nem fez menção de fornecer ao menos uma licença provisória".
"Essas leis mudam toda hora, ninguém consegue acompanhar, nem tem tempo para adequar, é uma acusação infundada, então vieram em uma atitude partidária", afirmou.
Sobre o pedido de licença, a Semas informou, no entanto, que "a solicitação de Licença de Atividade Rural do empreendimento foi analisada e indeferida em agosto de 2023 por pendências quanto à documentação fundiária do imóvel que o empreendimento ocupa".
Informações e fotos: G1/Pará