07/04/2024 às 07h20min - Atualizada em 07/04/2024 às 07h20min
ESPECIAL: Réu em Roraima, Rodrigo Cataratas se instala na Guiana e mira eleição em Boa Vista
Cataratas anunciou sua mudança para a Guiana em outubro do ano passado. Em novembro, ele e outros três empresários reuniram-se com o primeiro-ministro do país, Mark Phillips.
Cataratas (4º da esq. à dir.) e outros empresários com o primeiro-ministro da Guiana, Mark Phillips. Foto: Divulgação / Governo da Guiana
Réu em cinco processos ligados ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, o empresário Rodrigo Martins de Mello, conhecido como Rodrigo Cataratas, mudou-se para a Guiana e abriu uma empresa de mineração de ouro no país.
O que aconteceu Alvo da Justiça Federal em Roraima, Cataratas cruzou a fronteira e instalou um garimpo na Guiana. Dono de uma frota de helicópteros e um patrimônio declarado de R$ 33,5 milhões, ele é coordenador do movimento Garimpo é Legal, que tenta expandir a atividade na Amazônia.
Cataratas anunciou sua mudança para a Guiana em outubro do ano passado. Em novembro, ele e outros três empresários reuniram-se com o primeiro-ministro do país, Mark Phillips. Em uma publicação no Facebook, o gabinete de Phillips afirmou que o grupo estava lá "para apoiar ativamente o desenvolvimento geral da nação”.
O empresário é pré-candidato a vereador pelo União Brasil em Boa Vista. Apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ele disputou uma vaga de deputado federal pelo PL em 2022, teve 9.095 votos e não foi eleito — neste ano ele deixou o partido e vem ampliando sua atividade nas redes sociais nos últimos meses.
Cataratas responde a cinco denúncias do MPF (Ministério Público Federal). Além de ser réu por mineração ilegal e crimes associados, como organização criminosa e lavagem de dinheiro, ele é suspeito de ataques às sedes do Ibama e da PF em setembro de 2021. O grupo investigado ateou fogo em uma viatura do Ibama e tentou incendiar outro carro do órgão que estava na PF, mas não conseguiu.
Os crimes apontados pelo MPF teriam sido cometidos entre o final de 2018 e 2022. Esse período, que coincidiu com o governo Bolsonaro, foi marcado pelo aumento do garimpo na área yanomami: o desmatamento causado pela atividade na terra indígena quadruplicou entre outubro de 2018 e dezembro de 2022.
O UOL não conseguiu confirmar se o garimpo aberto na Guiana é legalizado. A legalidade é afirmada em vídeos por Cataratas e por Jailson Mesquita, coordenador político do movimento Garimpo é Legal, que visitou o local em março. O governo da Guiana, contudo, não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre o negócio.
Cataratas anunciou um "recomeço" na Guiana pouco mais de duas semanas após virar réu pela 5ª vez em sete meses. De fevereiro a setembro de 2023, a Justiça Federal de Roraima acatou denúncias contra o empresário por mineração ilegal e crimes associados. No início de outubro, ele publicou a foto de um retrovisor de carro, na estrada, seguido por pelo menos três caminhões, com a mensagem "rompendo fronteiras".
Procurado pelo UOL, Cataratas não quis se manifestar. Na última quinta-feira (4), porém, ele publicou um vídeo no Instagram e no Facebook se dizendo alvo de "perseguição" pela reportagem. "Ele [o repórter] querendo saber da minha atividade na Guiana inglesa. Vocês têm ideia do sistema que é contra um cidadão? Vocês mensuram essa perseguição?", disse o empresário.
Cataratas vem divulgando vídeos do garimpo em operação na Guiana. Em um deles, publicado em 21 de março, ele mostra trabalhadores no local e afirma que são indígenas da região. Em outro vídeo, do dia 28 de março, o empresário aparece ao lado de uma retroescavadeira e diz que está reformando uma estrada de acesso ao local.
O investimento na atividade seria de US$ 10 milhões (R$ 50,2 milhões). O líder garimpeiro Jailson Mesquita, próximo de Cataratas, visitou o local em 18 de março e afirmou em vídeo que ele foi aberto por "mineradores brasileiros, que fizeram um gigantesco investimento" e empregavam cerca de 200 trabalhadores. Garimpo na Guiana usa o trabalho de indígenas
Cataratas vem divulgando vídeos do garimpo em operação na Guiana. Em um deles, publicado em 21 de março, ele mostra trabalhadores no local e afirma que são indígenas da região. Em outro vídeo, do dia 28 de março, o empresário aparece ao lado de uma retroescavadeira e diz que está reformando uma estrada de acesso ao local.
O investimento na atividade seria de US$ 10 milhões (R$ 50,2 milhões). O líder garimpeiro Jailson Mesquita, próximo de Cataratas, visitou o local em 18 de março e afirmou em vídeo que ele foi aberto por "mineradores brasileiros, que fizeram um gigantesco investimento" e empregavam cerca de 200 trabalhadores. Uol não localizou Mesquita para comentar o assunto.
O garimpo fica a cerca de 300 km de Roraima, diz Mesquita em vídeo. O leste do estado faz fronteira com Guiana na região de Essequibo, que é reivindicada pela Venezuela e tem reservas conhecidas de ouro pelo menos desde 1867. O UOL não conseguiu, porém, confirmar se o garimpo fica dentro ou fora desse território.
Mesquita diz que o garimpo é feito "em parceria" com os indígenas. Um vídeo publicado por Cataratas mostra um grupo de trabalhadores retirando rochas de uma montanha próxima e as quebrando com marretas. No "moinho dos indígenas", segundo Cataratas, eles separam o ouro das pedras com uma máquina.
Discurso da Guiana tem agradado líderes garimpeiros
Grupos de garimpeiros no Facebook têm impulsionado uma entrevista do presidente da Guiana, Irfaan Ali. Em conversa com um jornalista da rede britânica BBC, ele defendeu que o país intensifique a exploração do território, especialmente do petróleo.
Essa região é coberta, em sua maioria, por florestas, e abriga principalmente vilas. A capital Georgetown e os maiores centros urbanos país, de porte médio ou pequeno, estão quase todos concentrados na faixa litorânea ou no leste do país.
O garimpo tem impactado indígenas dos dois lados da fronteira. Na terra indígena Raposa Serra do Sol, no leste de Roraima e ao lado de Essequibo, indígenas têm enfrentado ameaças de invasão, problemas ambientais e a oposição de lideranças internas que são favoráveis à atividade.
Participante de reunião nega que conversa tratou de garimpo Os empresários que estiveram com o primeiro-ministro da Guiana não confirmam participação no negócio. Dois deles, porém, têm atuação na mineração. Um deles, Fabio Braga Leite, abriu uma empresa com Cataratas em 2021 para explorar ouro em Itaituba (PA). Outro, Andrey Dimitry Rocha, é dono de cinco empresas de mineração no Pará.
Procurado pela reportagem, Rocha não quis se manifestar. O empresário, baseado em Marabá (PA), é herdeiro de uma rede atacadista e também atua em ramos como a siderurgia e a agropecuária. Ele é o atual vice-presidente da AMF (Associação de Mineradores de Ferro do Brasil).
Fabio Braga Leite negou que esteja investindo no garimpo na Guiana. Dentista, ele é dono de uma rede com clínicas odontológicas em quatro estados e no Distrito Federal. Ao UOL ele afirmou que tratou com o primeiro-ministro sobre possíveis obras de infraestrutura em Georgetown, capital do país, mas que os planos "não foram adiante".
“Não chegamos a conversar sobre mineração com o primeiro-ministro. Nós falamos sobre área de pecuária e sobre fazer asfalto e esgoto. A gente foi conhecer e ver se valia a pena, mas não teve andamento”, disse Fábio Braga Leite, empresário.
Empresário trocou PL por União para disputar eleições
Cataratas filiou-se ao União Brasil no último dia 20 de março. Ele foi recepcionado no partido pelo deputado federal Nicoletti (RR), que está em seu segundo mandato na Câmara e preside o diretório da sigla em Roraima.
O União e o deputado Nicoletti não se manifestaram sobre a filiação de Cataratas. O UOL questionou se o partido e o parlamentar têm conhecimento dos processos que pesam contra o empresário por garimpo ilegal, mas não teve resposta.
Empresário teve contratos com o governo até 2023 De 2011 a 2023, três empresas ligadas a Cataratas tiveram, juntas, 28 contratos com órgãos federais. Esses contratos, que somaram R$ 67,5 milhões no período, foram fechados principalmente com a Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), mas o Exército, a Petrobras e a PF também chegaram a usar os serviços.
Uma das empresas, a Cataratas Poços Artesianos, prestou serviços de saneamento nas terras indígenas Yanomami e Raposa Serra do Sol. As outras duas, Icaraí e Tarp, faziam taxi aéreo para vários territórios indígenas na Amazônia.
A maioria dos contratos foi fechada antes de 2018, quando Cataratas começou a ser investigado. Em março do ano passado, porém, o Exército contratou o empresário para perfurar um poço na terra yanomami, quando ele já era acusado de garimpo no território. A justificativa dos militares foi a de que a empresa "apresentou habilitação técnica e os documentos exigidos em lei”.
Já sob Lula, o Ministério da Saúde chegou a pedir um serviço à empresa de Cataratas. A Sesai (Secretaria de Saúde Indígena) requisitou a perfuração de um poço no território yanomami no âmbito do mesmo contrato fechado com o Exército, mas recuou após o MPF pedir a suspensão do contrato na Justiça.
O MPF afirma que a Cataratas Poços Artesianos era usada para dar apoio ao garimpo. Segundo a denúncia, a empresa era usada para lavar dinheiro do crime e uma operação da PF na sede da companhia em Boa Vista, em agosto de 2021, encontrou 20 mil litros de combustível que seriam usados na mineração ilegal.
As denúncias apontam que Cataratas usava 23 aeronaves no garimpo na terra yanomami. Na sede da Cataratas Poços Artesianos, o Ibama encontrou uma espécie de oficina que adaptava helicópteros para o garimpo. Os bancos traseiros eram retirados para dar espaço a equipamentos levados à terra indígena e aos minérios retirados de lá.