Quando assumiu em janeiro deste ano a prefeitura de São Luiz do Anauá (RR), Elias da Silva, conhecido como Chicão, diz ter se surpreendido com a situação financeira da cidade que proporcionalmente mais recebeu emendas de deputados e senadores nos últimos anos.
Chicão é ex-aliado de James Batista, seu antecessor. Foi vice-prefeito e secretário da Saúde das gestões anteriores. Agora, diz que viraram inimigos políticos.
A reportagem entrou em contato com o ex-prefeito James Batista, por meio de seu advogado. Reiterou o pedido de informações cinco vezes, nas últimas duas semanas. Não recebeu resposta sobre os questionamentos até a publicação deste texto.
Leia abaixo a entrevista de Chicão ao UOL:
Como o senhor encontrou as contas da cidade?
A gente era parceiro, mas ele [o ex-prefeito James Batista] não me deixou fazer o período de transição. No dia em que assumi me deparei com o caos nas contas. Não encontrei material, computador, tinha processos sumidos. Infelizmente peguei o município sem um centavo, com várias contas atrasadas, salários atrasados. Uma situação deplorável.
O senhor regularizou o pagamento dos funcionários?
Ainda não consegui pagar o mês de dezembro. Vou pagar dentro do possível. Já paguei 50%. Voltamos a pagar o salário do mês e voltamos a pagar a primeira parcela do 13º que a gestão anterior não pagava.
Há muitas obras inacabadas?
É a maior tristeza. Quando entramos em São Luiz, essas obras que a gestão anterior falava, hoje viraram um cemitério. As obras estão ainda por fazer e sem dinheiro na conta para terminar. Não só as obras, mas também as [estradas] vicinais, nas quais o ex-prefeito desviou dinheiro.
Quais são as obras inacabadas?
Só na obra do Parque da Vaquejada, ele desviou R$ 6,3 milhões. Na Praça dos Buritis, desviou R$ 3 milhões. Nas casas populares, ele desviou mais de R$ 1,2 milhão. O portal da cidade até foi feito, mas não foi concluído.Foi R$ 1,8 milhão desviado.
Por "desviou" o senhor está dizendo que R$ 1,8 milhão já foi pago e a obra não foi executada? É isso?
Isso. Foi isso que aconteceu em todos os casos que citei. Foram feitos pagamentos sem a obra ter sido feita e não há dinheiro para concluir. Tudo o que estou falando tenho como provar.
O que as empresas falam? Por exemplo, essa empresa do portal?
Infelizmente esse cara da TechMix [empresa que executou o portal da cidade] é um pouco esperto, mas também foi ludibriado pela ex-gestão. A gente notificou ele pela terceira vez, mas infelizmente todas as vezes que ele disse que ia retomar as obras, ele não retomava. Agora a gente vai fazer o distrato e penalizá-lo.
O portal da cidade é tido como exemplo do desperdício?
É um portal enorme, muito bonito. Mas é um exagero ter um portal dessa magnitude no menor município do estado. Hoje a gente não passa por debaixo dele, a gente passa por um desvio porque ainda precisa ser feita uma ponte e as obras de pavimentação.
Foi mesmo inspirado na casa do Gusttavo Lima?
O que se fala é isso, mesmo. Na época, ele [o ex-prefeito] fez o maior auê, prometeu show do Gusttavo Lima, mas não trouxe o cantor.
O dinheiro para essas obras veio de emendas de senadores e deputados federais?
Sim, principalmente emenda pix. A cidade de São Luiz do Anauá foi a que mais recebeu dinheiro dessas emendas desde 2020. Se esses mais de R$ 100 milhões tivessem sido investidos na cidade, era pra ser totalmente diferente das condições que temos hoje.
Quais medidas a nova gestão tomou para ir atrás do prejuízo?
Estamos fazendo todos os levantamentos. Em alguns, há uma dificuldade porque os processos sumiram dos arquivos. A gente vai informar os órgãos de controle, CGU, Tribunal de Contas, Polícia Federal, Ministério Público.
Tem também uma CPI na Assembleia Legislativa, certo?
A CPI investiga o desvio de emendas estaduais. Um parlamentar colocou R$ 2,6 milhões para medicamentos. Outro colocou R$ 900 mil para um Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). O ex-gestor desviou o recurso do medicamento. O recurso do Samu também não tem nada. Sem contar o recurso que o governo do estado deu para a obras na Câmara Municipal, de uma emenda estadual de R$ 1,3 milhão. A obra não foi concluída e os vereadores estão hoje alojados num prédio da prefeitura.
A situação aparentemente é difícil?
Muito difícil. Ele [o ex-prefeito] foi professor. O prédio onde ele era professor, agora no inverno, chove mais dentro do que fora. Pago cinco aluguéis de prédios enquanto não posso usar os que a gente tem, porque nunca teve manutenção. Hoje funcionam cinco secretarias no parque de Vaquejada.
O parque que ficou pela metade?
Esse mesmo. A única coisa que ficou pronta é o palco. Embaixo do palco tem algumas salas. Eu funciono lá com cinco secretarias do município dentro do parque por irresponsabilidade do ex-prefeito, que nunca fez manutenção nos nossos prédios.
O senhor denuncia vários desvios, mas foi vice-prefeito do James e secretário dele na gestão passada.
Não nego. Ele era parceiro político. Mas na hora dele ser meu parceiro, parceiro do município, infelizmente não foi.
O senhor não tinha ciência dessa situação?
Eu fui vice dele no primeiro mandato [2017 a 2020]. No segundo mandato, me elegi a vereador e assumi a Saúde. Fiquei o mandato até maio de 2024, quando me afastei para concorrer à prefeitura. O James não queria a minha candidatura, tinha outras preferências, mas eu bati o pé. A partir de maio, eu não tive mais acesso às contas da cidade.
Mas e antes?
Quando eu saí deixei dinheiro nas contas da Saúde. Inclusive, estou na iminência de devolver duas ambulâncias. O dinheiro estava na conta quando eu saí. Mas ele não pagou essas ambulâncias que as empresas entregaram. Então o município pode ter esse prejuízo de perder duas ambulâncias e vários equipamentos.