Movimentação naval dos EUA perto da Venezuela pode impactar nos negócios e aumentar o fluxo migratório para Roraima

Especialistas chamam a atenção para riscos de bloqueio de rotas marítimas, aumento da tensão diplomática e efeito migratório em caso de escalada no Caribe

- Fonte: O Globo
20/08/2025 17h58 - Atualizado há 9 horas
Movimentação naval dos EUA perto da Venezuela pode impactar nos negócios e aumentar o fluxo migratório para
Migrantes venezuelanos continuam chegando a Pacaraima e o fluxo pode aumentar com a ameaça dos Estados Unidos.

O envio de navios de guerra e mais de 4 mil fuzileiros dos Estados Unidos para águas próximas ao litoral da Venezuela traz sinalizações importantes para o Brasil, afirmam especialistas ouvidos pelo GLOBO. Embora uma ofensiva militar americana em grande escala contra o território venezuelano tenha sido descartada pela maioria das fontes, as forças americanas poderiam agir pontualmente contra o regime de Nicolás Madurocomo ameaçou a Casa Branca na terça-feira, provocando uma possível desestabilização na segurança regional, avaliam. Além disso, Washington poderia usar suas capacidades navais para impor restrições à liberdade de navegação na região, afetando rotas importantes para a economia brasileira em um contexto de crise política, comercial e diplomática crescente entre os dois países.

A presença militar dos EUA também acende uma luz amarela para questões humanitárias, como um possível aumento do fluxo migratório para Roraima, estado brasileiro que faz divisa com a Venezuela. A cúpula das Forças Armadas do Brasil acompanhou a aproximação dos navios nesta quarta-feira e está monitorando a questão para identificar se haverá algum reflexo no território nacional e a necessidade de reforço de tropas na região. Até o momento, porém, não há nada previsto neste sentido e o tema é tratado com cautela, disse um militar de alta patente da Marinha.

— As relações da Marinha do Brasil com as Forças Armadas dos EUA decorre de um alinhamento estratégico há séculos. Naturalmente, um eventual distanciamento diplomático entre o Brasil e os EUA acarretaria dificuldades e impactos sensíveis para os interesses e o adequado cumprimento das atribuições das Forças, de parte a parte, em diversos campos de atuação, o que não é desejável — afirmou o comandante da força, almirante Marcos Sampaio Olsen, ao GLOBO.

Rota estimada da Marinha dos EUA — Foto: Arte/O Globo
Rota estimada da Marinha dos EUA — Foto: Arte/O Globo
Rota estimada da Marinha dos EUA — Foto: Arte/O Globo

Para Ronaldo Carmona, professor de Geopolítica da Escola Superior de Guerra, o envio de uma esquadra americana para a região pode, "no pior cenário", levar à "deterioração do ambiente de segurança regional, com grandes implicações ao Brasil":

— Sob a justificativa de combater o tráfico de drogas, especialmente de fentanil, no limite, os EUA poderiam impor, nas rotas comerciais, um sistema de abordagem ou até mesmo de bloqueio de embarcações tidas como “inimigas”, “suspeitas” ou tidas como violadoras de sanções americanas, tornando-as extraterritoriais. Ou seja, poderiam impor restrições à liberdade de navegação em nome de sua “segurança nacional”, o que representaria um grande potencial de conflito interestatal na região.

Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, mestre em Ciências Militares, destaca o ineditismo da ação americana ao desdobrar uma unidade expedicionária com milhares de fuzileiros navais para esse tipo de missão, já que eles poderiam, em tese, ser usados para desembarques anfíbios contra algum porto ou ilha da região, mas também para abordar navios suspeitos de tráfico, contrabando ou outros crimes, uma função da Guarda Costeira.

— É um enorme poder de combate, muito maior que o necessário às operações de combate ao tráfico internacional de drogas — diz o coronel da reserva.

O temor de uma intervenção na Venezuela — com quem os EUA romperam relações diplomáticas em 2019, durante o primeiro governo Trump — escalou ainda mais no início do mês, depois de uma diretiva obscura que ordena que as forças americanas combatam cartéis de drogas estrangeiros. Na esteira da decisão, uma frota naval foi deslocada de Norfolk, na Virgínia, em direção às águas da América Latina na sexta-feira, acendendo o alerta de governos da região.

A frota naval dos EUA em deslocamento pelas águas do Caribe incluem três destróieres americanos — USS Gravely, USS Jason Dunham e USS Sampson, equipados com o sistema de combate Aegis com mísseis guiados, além de um submarino de ataque com propulsão nuclear, aeronaves de reconhecimento P8 Poseidon, vários contratorpedeiros e um cruzador de mísseis guiados. Os ativos podem ser usados não apenas para realizar operações de inteligência e vigilância, mas também como plataforma de lançamento para ataques direcionados, caso haja uma decisão neste sentido, segundo uma autoridade a par do assunto que falou sob condição de anonimato.

Interlocutores do governo brasileiro ouvidos pelo GLOBO ressaltam que ainda não há nenhuma reação concreta à vista, mas afirmam que essa movimentação mostra que os Estados Unidos podem estar preparando o terreno para uma eventual intervenção militar no país vizinho, com o objetivo de derrubar o regime chavista. Em julho, o Departamento do Tesouro sancionou o chamado Cartel de los Soles, designando o grupo criminoso venezuelano como uma entidade terrorista global comandada pelo presidente Nicolás Maduro, que teve sua cabeça colocada a prêmio por US$ 50 milhões.

Os especialistas divergem sobre os riscos de Washington intervir militarmente na Venezuela, com a maioria descartando essa possibilidade, mas não a de uma ação pontual contra Maduro.

Para Leonardo Mattos, professor de Geopolítica da Escola de Guerra Naval, "seria uma missão muito arriscada para as Forças Armadas dos EUA". Ele lembra que em 1989, os americanos invadiram o Panamá, capturaram e julgaram o então presidente Manuel Antonio Noriega, acusado de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e corrupção. Mas tratava-se de um país geograficamente menor e militarmente mais fraco que a Venezuela, pondera.

Na opinião do almirante da reserva Antonio Ruy de Almeida, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, a movimentação dos EUA é um exercício de demonstração de força, mas não representa um perigo maior, como a ocupação de um país.

— Quatro mil homens e três navios não são suficientes par atacar e ocupar um país. Serve, no máximo, para uma operação de captura e extração, para tentar pegar o Maduro rapidamente e levá-los com ele, por exemplo — explica. — Se vão ter sucesso é outra história. Na segunda-feira, Maduro anunciou a mobilização de 4,5 milhões de paramilitares em todo o território nacional para reagir ao que chamar de "ameaça" americana.

O Brasil, assim como os EUA, não reconheceu o resultado da reeleição do líder venezuelano como presidente, há cerca de um ano. Isso porque Maduro nunca apresentou provas de que teria vencido o opositor Edmundo González. Apesar disso, o governo brasileiro prefere manter relações com a Venezuela.

— Vejo com preocupação o deslocamento de barcos de guerra americanos para a Venezuela — disse o assessor para assuntos internacionais do Palácio do Planalto, Celso Amorim, nesta quarta-feira, em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. — Acho que a não intervenção é fundamental.

Funcionários do governo brasileiro avaliam que o momento pede cautela, já que a Casa Branca tem promovido uma série de ataques ao Brasil, como o tarifaço de 50%, sanções financeiras a autoridades e acusações de parcialidade do Judiciário no processo em que o ex-presidente Jair Bolsonaro é acusado de tentativa de golpe de Estado. Eles esperam que o deslocamento não atinja águas brasileiras, o que seria mais um problema nas relações entre Brasil e EUA.

— Trump quebrou muitos padrões no relacionamento entre EUA e Brasil, mas acredito que nem mesmo ele iria tão longe ao ponto de usar meios militares para pressionar o Brasil — avalia Maurício Santoro, cientista político, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil. — Os dois países foram aliados nas duas guerras mundiais, têm uma história profunda de cooperação. O único precedente negativo nessa área foi quando o governo Lyndon Johnson se preparou para apoiar militarmente o golpe de Estado de 1964, caso houvesse resistência por parte do governo João Goulart. Mas aquilo foi no contexto ideológico do auge da Guerra Fria e hoje não há condições para esse tipo de agressão tão explícita, por pior que sejam as tensões bilaterais.

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