Samir Xaud quer dividir gestão de liga com clubes e evitar "doping financeiro" com fair play

Há quase três meses no cargo, Samir Xaud promete transparência na entidade e garante total autonomia a Ancelotti na Seleção: "Vejo no semblante dele que ele está muito feliz"

- Fonte: GE
22/08/2025 14h38 - Atualizado há 6 horas
Samir Xaud quer dividir gestão de liga com clubes e evitar "doping financeiro" com fair play
Samir Xaud, presidente da CBF — Foto: Mauro Molina/CBF

Em 90 dias, a vida do médico roraimense Samir de Araújo Xaud mudou completamente. Antes, um desconhecido no âmbito do futebol nacional, futoro presidente da Federação de Roraima, hoje na cadeira mais importante do futebol brasileiro. Mais jovem presidente da CBF, Samir tenta imprimir agenda de mudanças que passam pelo fair play financeiro e por custosas melhorias na arbitragem. A criação de uma liga nacional, que até então havia sido deixada nas mãos dos clubes, agora também terá as digitais da confederação.

O médico de 41 anos tem ao lado cartolas de todas as partes do país e se vê, agora sim, mais próximo de clubes que, em parte, boicotaram sua eleição no fim de maio. Em entrevista ao ge, minutos depois de participação no Seleção sportv na terça-feira, Samir Xaud prometeu transparência, avanços na gestão e interferência mínima nos rumos da Seleção dentro de campo a um ano da Copa do Mundo masculina de 2026.

Confira a entrevista de Samir Xaud logo abaixo:

Como estão as reuniões do fair play financeiro? A gente pode esperar o início da implementação em 2026?

— Bom, o "kickoff" (pontapé inicial) foi dado. Há algumas semanas, tivemos o primeiro encontro com todos os clubes da Série A, 14 da Série B, federações e os especialistas. Nesse momento, demos 90 dias para discutir qual será o melhor formato para o futebol brasileiro. É um processo, não é um processo rápido. Primeiro a gente tem que achar um norte, depois precisamos dar tempo aos clubes para começarem a se adaptar a uma nova realidade. Esperamos que a médio e a longo prazo a gente consiga encontrar o melhor modelo para o futebol brasileiro.

A gente ouve que existem clubes que vão cobrar que o fair play seja mais rígido num ponto, outros defendem flexibilidade de outra maneira. Como a CBF vai se portar como moderadora nesse debate?

— O primeiro encontro foi mais para escutar os nossos players de fora, o pessoal da Europa que veio mostrar modelos que funcionam mundo afora. Mas essas discussões mais específicas ainda não entraram em pauta. Nós queremos criar um modelo de futebol autossustentável. Um futebol que você não tenha teto de receita, mas tenha teto de gastos. Você só vai gastar o que você arrecada. Evitar um endividamento dos clubes, evitar que haja o "doping financeiro" de alguns clubes. É o que eu sempre falo: um clube que está devendo, mas contratando jogadores de milhões, acaba prejudicando um clube menor que paga suas contas em dia, tem seus salários em dia. O que a gente quer evitar é esse desequilíbrio.

Esse tema é central no futebol brasileiro. Ninguém hoje se posiciona publicamente contra. Você entende que a CBF tem uma janela de oportunidade para fazer a proposta funcionar?

— Acredito, sim, tanto que foi um dos pilares, uma das metas que colocamos, apesar de outros assuntos que são prioridades dentro da CBF. Mas o fair play financeiro nos preocupa, por tudo o que a gente está vendo acontecer com alguns clubes. É uma prioridade que a CBF já tirou do papel. Mas é um trabalho em conjunto para que a gente ache o melhor para o futebol brasileiro.

Num cenário ideal, até quando o programa de fair play vai estar totalmente implementado no país?

— Eu não posso falar data, até porque na Europa passaram dez anos até achar o melhor modelo para implementar. Mas, com esses modelos que já existem mundo afora, a gente sabe o que funciona, o que não funciona. Pegamos uma coisa mais resumida. Não posso falar datas, prazos, mas o que queremos é implantar o mais rápido possível, dentro da nossa realidade.

A CNRD (Câmara Nacional de Resolução de Disputas) sofre críticas constantes dos clubes por falta de agilidade. É um dos pontos que precisam de mais atenção?

— Essa construção é em conjunto. A CNRD é muito importante nesse processo de diálogo, de aproximação. Precisamos dos clubes para conseguir implantar o fair play. Eu acho que o diálogo, na nossa gestão, é o que está mais evidente. É de extrema importância que eles participem, importante ter essa celeridade. Mas isso é um processo, não é tão rápido. O que nós queríamos era dar o pontapé inicial. A partir daí, verificar o que funciona e trazer para um molde brasileiro.

Como o senhor dividiu as "caixinhas" da sua gestão na diretoria?

— Cada um tem sua função. Eu deixei muito aberto. Estamos fazendo uma gestão descentralizada. Apesar do regime presidencialista, deixo muito claro que os meus diretores têm autonomia nos seus cargos. Cada um gosta de um determinado tema, e a gente foi escolhendo de acordo com a afinidade de cada um, mas deixando claro que todos colaboram. O Ricardo Paul (vice-presidente da CBF e presidente da federação do Pará) ficou no fair play financeiro, outro ficou em outro setor, mas isso é o o modelo de gestão descentralizada que estamos fazendo.

O senhor vem de federação pequena, de poucas receitas, com um campeonato de pouca expressão. Como construiu o seu nome como candidato à presidência da CBF?

— Em primeiro lugar, independentemente de a minha federação ser pequena e de o campeonato ser pequeno, isso não me inviabiliza como presidente da CBF. Eu fui escolhido por um grupo. Um grupo que conhecia o trabalho que eu estava realizando à frente do meu estado. Nos três últimos anos, a gente teve evolução no futebol roraimense. Tanto do produto Campeonato Roraimense quanto da organização da federação. Eu já tinha experiência de 12 anos de administração pública, eu sempre fui cara muito acessível, tenho entrada em todas as partes, em todas as frentes.

— Não era só o meu nome que estava à disposição desse grupo. Havia mais quatro nomes, éramos cinco. Mas acabou que esse grupo decidiu que fosse eu o presidente, o cabeça de chapa, por todo esse networking que eu tinha, de diálogo, etc... E por histórico de trabalho. Então topei essa missão, que não é fácil. Mas o grupo todo me apoiou. E hoje temos a maioria dos clubes brasileiros apoiando a gestão. Começamos com poucos e fomos galgando, hoje recebemos o apoio da maioria. Não 100%, mas a maioria dos clubes brasileiros.

O senhor tem falado de educação continuada. O coordenador da Comissão de Arbitragem, Rodrigo Cintra, fala em ter a primeira leva de árbitros profissionais formados no fim de 2026. Qual vai ser o tamanho desse investimento em arbitragem? Existe orçamento definido?

— Na verdade, não tem nada definido sobre profissionalização. O que estamos fazendo é uma modernização e educação continuada da nossa arbitragem. A CBF tem investido muito na melhoria. Acho que o processo de profissionalização requer estudo, requer tempo de construção em relação a isso, mas que, possivelmente, é um caminho. A CBF tem que ter o pé no chão, conversar bastante, montar um programa, para depois tratar de profissionalização.

— Ano que vem vamos ter o impedimento semiautomático no Campeonato Brasileiro e nas finais de Copa do Brasil. É um investimento alto que a CBF tem feito. Eu tenho falado de educação continuada, porque educação é o pilar de tudo e não é diferente em relação à arbitragem. A gente criou um programa chamado "Arbitragem Sem Fronteira", que já está sendo executado dentro da CBF. A Comissão de Arbitragem viaja aos estados ministrando palestras e dando curso para a arbitragem local. Porque nós queremos deixar uma arbitragem nacional padrão.

— Nesses menos de 80 dias de gestão, já tivemos quatro encontros aqui no Rio de Janeiro com os principais árbitros do Brasil, da Série A e da Série B. Estamos fazendo esse investimento na arbitragem brasileira, nós queremos ter uma arbitragem mais capacitada e que interfira menos nos jogos do Brasil.

Qual empresa vai trazer a tecnologia do impedimento semiautomático? Hoje, é a Hawk-Eye quem opera o VAR no Brasil.

— Nós ainda estamos em estudo, mas o que nós queremos é achar o melhor software para atender ao Brasil.

Qual deve ser esse custo? Será todo da CBF?

— É um custo alto, mas, se eu falar um número agora, vou estar mentindo. O custo total vai ser da CBF.

O senhor tem falado muito sobre mudança no calendário do futebol nacional, uma preocupação da CBF, das federações. Mas como os clubes estão participando dessa discussão?

— Na verdade, essa é uma decisão da gestão (da CBF) em relação à reformulação de todos os campeonatos do futebol brasileiro. Já falei da redução dos estaduais, isso é parte desse princípio da redução de datas. Então serão 11 datas para os estaduais (com times) das séries A e B. Os estaduais de séries C e D são mais flexíveis. Mas isso passa por uma reformulação geral de todos os campeonatos do Brasil. Temos que esperar as datas da Fifa, da Conmebol e só depois podemos organizar nosso calendário. Precisamos enxugar nossos campeonatos para termos maleabilidade maior em relação a datas. Tem muita coisa sendo discutida, em menos de 50 dias vamos apresentar o modelo de calendário do futebol de 2026. Vem muita coisa positiva que acredito que a maioria dos clubes vai gostar.

Na Copa do Brasil a intenção é reduzir datas também ou mudar o formato?

— Aí é o que estamos discutindo.

Quais têm sido as impressões do Carlo Ancelotti sobre o futebol brasileiro?

— Ele gosta bastante do Brasil, dos jogadores brasileiros. Está muito bem, adaptado ao clima, caminha na praia de vez em quando. É o maior técnico do mundo. Ele já está fazendo um trabalho diferenciado, vimos isso nos jogos em que esteve à frente da Seleção. Ele é um paizão, sabe tratar o jogador brasileiro. Tem um relacionamento interpessoal muito positivo. Eu acredito muito no trabalho dele e da comissão e acredito que até a Copa do Mundo esse trabalho só vai crescer. Ele tem total autonomia, importante deixar claro. Ele, Rodrigo (Caetano, coordenador de seleções), são os que tomam as decisões técnicas. O que eu faço é dar as ferramentas que eles necessitam para deixar nossa Seleção competitiva para voltar ao cenário de importância do futebol.

 


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