Representantes de três ministérios foram ouvidos nesta terça-feira (11) pela comissão temporária criada para acompanhar a situação de crise humanitária dos ianomâmis, cuja terra indígena foi invadida pelo garimpo. Rita Cristina de Oliveira, secretária-executiva do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Marivaldo de Castro Pereira, secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública e Marcelo Mendes Mello, fuzileiro naval, pelo Ministério da Defesa, ouviram questionamentos dos senadores, que pediram detalhes sobre as ações do governo e apresentaram um relato sobre a atuação de suas pastas.
Os senadores Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) e Damares Alves (Republicanos-DF) perguntaram sobre o orçamento previsto e pediram o envio de informações aos seus gabinetes, com apontamento de ações para áreas como saúde, defesa e justiça no território ianomâmi. Os senadores de oposição também pediram "provas" de que houve o agravamento da situação dos indígenas nos últimos quatro anos. Rita Cristina de Oliveira respondeu que R$ 640 milhões estão programados para políticas de proteção aos indígenas em todo o país, mas disse que esse recurso é administrado por várias pastas, em uma ação interministerial. A convidada declarou que a execução da política em favor dos ianomâmi pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania é feita com suplemento orçamentário próprio, possibilitado pela PEC da Transição.
Rita de Oliveira informou ter verificado um quadro intenso de violações de direitos no território desde que assumiu a pasta no começo do ano. E mencionou, entre esses problemas, danos à saúde, contaminação de rios, registros de inúmeros abortos espontâneos devido ao contato das indígenas com águas poluídas e dificuldade de acesso a alimentos, o que resultou em quadros graves de desnutrição infantil.
— Identificamos as mesmas violações que a sociedade civil já vinha denunciando, como quadros onde garimpeiros expulsam equipes de saúde e transformam [esses locais] em postos de combustíveis. Inúmeros depoimentos foram colhidos também sobre uso abusivo de álcool em terreno ianomâmi, inclusive por crianças e jovens.
Damares Alves solicitou o nome do líder ianomâmi que, segundo Rita, pediu proteção durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro e quais denúncias em relação a essa população teriam sido "relativamente ignoradas" pelo governo passado. Já Marcos Pontes insistiu em receber, por escrito, um documento com as informações da pasta e pediu provas de que houve irregularidades a agravamento dos problemas na região nos quatro anos do governo Bolsonaro. Ele considerou controversa a afirmação da convidada de que garimpeiros estariam armando indígenas, já que a própria secretária havia confirmado os constantes conflitos entre esses dois grupos. Rita respondeu que o território ianomâmi é extenso e conflituoso. E que, nesse contexto, a cooptação de indígenas para o garimpo leva essas pessoas a serem armadas pelos criminosos.
A senadora Zenaide Maia (PSD-RN) classificou de inaceitável a permanência do garimpo ilegal em terras indígenas e disse ser necessário dar visibilidade aos problemas vividos pelos ianomâmis e pelos demais povos originários.
— Temos o privilégio de ainda poder salvar grande parte da nossa vida vegetal, animal e humana. É algo inegociável, como digo às minhas netas quanto ao uso do cinto de segurança: não existe essa de negociação de retorno do garimpo ilegal às terras indígenas — salientou Zenaide.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) mencionou a Constituição para observar que todos têm assegurado o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e afirmou que o ex-presidente Bolsonaro promoveu um deliberado ataque a esses direitos constitucionais. Ele informou que chegou a protocolar representação junto ao Ministério Público Federal (MPF) pedindo providências e soluções para os problemas enfrentados pelos ianomâmis no fim de 2022.
— Passou da hora de o parlamentar derrubar os muros do Parlamento e interagir com o principal destinatário, que é a população: os pobres, os pretos, os indígenas, os quilombolas. Em se querer atribuir qualquer responsabilidade ao atual presidente ou governo ou ministro, nunca vi um comportamento tão contraproducente. Sabemos que essa função do Estado de proteger os povos indígenas era do Estado, com o [ex]presidente Jair Bolsonaro, e que sua omissão tem repercussão — disse Contarato.
Rita Cristina de Oliveira defendeu a completa desarticulação do garimpo ilegal, de forma imediata, com medidas de curto prazo como a intervenção federal. Mas sinalizou que os resultados dessas iniciativas podem ser "complexos e imprevisíveis".
— Não será automático, mas é possível com medidas de contenção, porque algumas violações, infelizmente, já foram consolidadas. Estaremos presentes no território. Medidas penais precisam ser aplicadas, porque há crimes, mas também alternativas socioeconômicas para os garimpeiros. Isso tudo exigirá de nós uma aliança, porque é uma crise complexa, na qual estamos engajados de forma articulada.
O senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) avaliou que os ianomâmis são um povo abandonado há décadas. Ele também disse haver a possibilidade de as ações implementadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva "não passarem de discurso junto à mídia internacional" que, para ele, "não conhece a realidade dos fatos".
— O povo ianomâmi não sai de suas comunidades para visitar a capital, então, é importante que o governo visite cada comunidade. Nosso apelo é para que o governo não faça apenas discurso bonito para quem possa ouvir, mas, de fato, mantenha essa assistência permanentemente — disse o senador.
Mecias de Jesus ainda afirmou que há uma "guerra de narrativas" e questionou qual órgão contabilizou o número de garimpeiros — estimados entre 20 mil e 30 mil — localizados em terras indígenas. O secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marivaldo de Castro Pereira, explicou que o número mencionado por ele é uma estimativa, com base nas informações colhidas pelo governo, ainda que não seja um "censo". Marivaldo reconheceu ainda que os problemas verificados na terra ianomâmi sempre existiram, mas foram agravados por "omissão do governo passado".
Representante do Ministério da Defesa, o fuzileiro naval Marcelo Mendes Mello falou sobre o apoio logístico, de comunicações e de inteligência dado pelas Forças Armadas nas ações no território ianomâmi. Ele destacou a publicação, pelo presidente Lula, do Decreto 11.384, de 2023, que instituiu um comitê para enfrentamento à desassistência sanitária na região.
Além de os militares levarem mantimentos para essas áreas remotas, Mello mencionou o caso de uma operação rápida de resgate de uma gestante indígena do território ianomâmi até um hospital da cidade de Boa Vista (RR), em meados de janeiro, possibilitada pela articulação entre Força Aérea Brasileira e Ministério da Defesa.
— Isso demonstra que as Força Armadas sempre estiveram presentes e atuantes no apoio à nossa população e ao Estado — declarou.
A reunião foi conduzida pelo relator do colegiado, senador Hiran Gonçalves (PP-RR).
Fonte: Agência Senado