18/07/2023 às 09h09min - Atualizada em 18/07/2023 às 09h09min

Lula, Macron e líderes estrangeiros costuram fim de isolamento da Venezuela.

Uma declaração política conjunta pode ser fechada nesta terça-feira entre os líderes, na esperança de chancelar o processo de diálogo e que, se consolidado, marcaria o início para dar um ponto final na estratégia usada nos últimos anos pela comunidade internacional para asfixiar o regime Maduro.

- Por Jamil Chade (Uol)
Lula em Bruxelas com a vice-presidente da Venezuela e autoridades da comunidade europeia.

 

Líderes europeus e sul-americanos articulam o fim do isolamento do governo de Nicolas Maduro e a construção de um processo de normalização da Venezuela no cenário internacional. Para isso, querem da oposição e do governo de Caracas um entendimento sobre como a eleição de 2024 no país será realizada.

O processo de fim de isolamento começou a ser costurado com a reunião realizada ontem em Bruxelas entre membros do governo Maduro e da oposição venezuelana, na presença de Luiz Inácio Lula da Silva, Emmanuel Macron (França), Gustavo Petro (Colômbia), Alberto Fernandes (Argentina) e Josep Borell, o chefe da diplomacia da UE. Participaram do encontro Gerardo Blyde, principal negociador da oposição, e Delcy Rodriguez, vice-presidente da Venezuela.

Declaração política conjunta

Uma declaração política conjunta pode ser fechada nesta terça-feira entre os líderes, na esperança de chancelar o processo de diálogo e que, se consolidado, marcaria o início para dar um ponto final na estratégia usada nos últimos anos pela comunidade internacional para asfixiar o regime Maduro.

Nem o governo de Nicolas Maduro e nem a oposição assinarão, neste momento, a declaração. De fato, durante o encontro, a oposição venezuelana insistiu que não tinha mandato para negociar. Mas, ainda assim, aceitou a iniciativa. Do lado do governo de Caracas, a decisão dos representantes de Maduro de realizar uma reunião com a oposição gerou críticas internas.

Isolamento fracassou

Para os líderes estrangeiros, a constatação é que o isolamento fracassou e a mera realização de um encontro já é um ponto inicial que pode marcar uma transformação na forma de lidar com Caracas. A avaliação é de que a pressão realizada até agora, inclusive com sanções, não resultou na queda de Maduro nem em uma mudança em sua política de direitos humanos e, de quebra, ainda ampliou a crise doméstica para milhões de pessoas.

No governo brasileiro, a percepção é de que o isolamento da Venezuela por parte dos governos de Jair Bolsonaro e de Donald Trump levou o país a ser alvo de um espaço de disputa geopolítica, inclusive com influência da Rússia e China. Ao retirar a Venezuela dessa condição, a esperança é de que essa disputa geopolítica possa perder força.

O processo, porém, não vem sem críticas. Um dos temores dos negociadores é de que Caracas use o processo de diálogo para ganhar tempo e, assim, consolidar uma posição de liderança para vencer as eleições em 2024. Parte da oposição é crítica ao comportamento do Brasil, alegando que o Itamaraty não estaria dando o espaço necessário para ouvir o que os dissidentes alertam sobre a repressão que ainda vigora no país.

Repressão continua, segundo a ONU

A oposição ainda destaca que, qualquer que seja o processo de normalização, será necessário que Maduro mude de forma importante sua forma de lidar com a situação de direitos humanos. Os dissidentes citam o último informe da ONU sobre a Venezuela, que denuncia restrições contra a sociedade civil, dissidentes sem acesso à Justiça, fechamento de rádios e criminalização de sindicalistas.
 

Espaço para sociedade civil

Durante o período examinado, a ONU continuou a "documentar restrições ao espaço cívico, incluindo estruturas legais restritivas que continuam em vigor, limitando o trabalho das organizações da sociedade civil e relatos de que vozes dissidentes foram submetidas a procedimentos judiciais e administrativos arbitrários, bem como à estigmatização".

A ONU diz ter documentado 21 relatos de ameaças e assédio, 46 casos de estigmatização em mídias sociais ou transmissões públicas por funcionários do Estado e 17 casos de criminalização, incluindo 10 casos de detenção arbitrária contra defensores de direitos humanos, jornalistas e outros atores da sociedade civil, incluindo oito mulheres. A ONU, portanto, "incentiva a Venezuela a continuar seus esforços para garantir um espaço cívico aberto e pluralista".

Liberdade de imprensa

Entre maio de 2022 e abril de 2023, a ONU documentou o fechamento de 16 estações de rádio em todo o país. "De acordo com organizações da sociedade civil, 2022 marcou um pico sem precedentes de fechamento de estações de rádio", diz o informe.

Proprietários e gerentes de estações de rádio temiam denunciar a situação publicamente. Na maioria dos casos de fechamento documentados pelo ONU, as estações não tinham as licenças correspondentes devido à falta de renovação ou extensão".

"Diferentes emissoras relataram dificuldades em obter licenças caras das autoridades relevantes, em realizar procedimentos administrativos em Caracas devido à falta de escritórios regionais de registro, à falta de resposta ou à recusa em concluir os procedimentos", indica.

"Portanto, as estações de rádio muitas vezes não conseguem cumprir as obrigações legais, apesar de seus esforços. Várias emissoras supostamente substituíram os programas de notícias, opinião ou reclamações dos cidadãos por outros tipos de programação para evitar represálias das autoridades", conta a investigação.

A ONU ainda documentou 44 bloqueios de sites, incluindo mídia nacional (29) e internacional (quatro), organizações da sociedade civil (três), serviços digitais on-line (cinco) e serviços de privacidade (três). Esses bloqueios foram realizados por provedores de serviços de Internet (ISP) estatais e privados, sem ordem formal ou notificações.

Os bloqueios de sete sites foram suspensos e a ONU espera que outros sigam o mesmo caminho, de acordo com as liberdades fundamentais. Em junho de 2022, uma empresa de telecomunicações divulgou informações sobre suas 7,9 milhões de linhas de serviço (acessos telefônicos e de dados) de 2021, observando que mais de 1,5 milhão dessas linhas estavam sujeitas a solicitações de interceptação e quase um milhão estavam sujeitas a solicitações de metadados.

 

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