10/09/2023 às 08h53min - Atualizada em 10/09/2023 às 08h53min

Recuperação da indústria petrolífera na Venezuela é improvável no curto prazo, dizem especialistas.

Mesmo com sinais de abertura, falta de clareza sobre a situação política e escassez de recursos humanos e técnicos dificultam o cenário.

Uma recuperação robusta da indústria petrolífera na Venezuela é improvável, mesmo depois dos recentes sinais de que o governo dos Estados Unidos poderia relaxar parte das sanções contra o país, dizem especialistas. A falta de clareza sobre a situação das eleições previstas para ocorrer no país sulamericano em 2024 e a escassez de recursos humanos e técnicos dificultam o cenário para uma eventual recuperação.

A possibilidade de uma abertura maior na Venezuela para negócios tem sido aventada num contexto de maior abertura ao diálogo com o país no cenário internacional. O início do governo Lula no Brasil favoreceu o retorno das conversas com o país vizinho. Esta semana, a vice-presidente venezuelana Delcy Rodríguez visitou a sede do Novo Banco de Desenvolvimento, presidido pela ex-presidente Dilma Rousseff.
 
Segundo a Bloomberg, o governo americano estaria travando conversas para a interrupção temporária de parte das sanções, caso haja garantias de que as eleições previstas para o próximo ano serão livres. Além disso, no final de agosto a estatal venezuelana PDVSA foi autorizada a importar nafta das majors europeias Eni e Repsol, para aliviar a escassez de gasolina vivida no país.

Sem grandes mudanças nas sanções

Para o pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV, Leonardo Paz, no entanto, a autorização para a negociação com as companhias europeias visa apenas evitar o agravamento da crise humanitária no país, que se arrasta há anos, mas não é um sinal de mudança na postura internacional em relação ao país.
 
“A escassez dramática de derivados de petróleo tem um elemento humanitário, porque dificulta com que caminhões levem comida aos mercados e o funcionamento de ambulâncias, por exemplo. A ideia de uma sanção é impedir determinado governo de ter dinheiro para implementar suas políticas e se manter no poder. Mas existe um limite entre esse objetivo e o impacto na vida da população”, explica. 

A nafta é importante para a Venezuela pois é usada não apenas na mistura para a produção de gasolina, como também é misturada ao petróleo bruto do país, que é extremamente pesado, para que possa ser transportado por dutos. O país já chegou a ter produção de nafta, que foi interrompida com a crise.

A capacidade instalada de refino venezuelana chega a 1,3 milhão de barris/dia de petróleo bruto, mas apenas 200 mil barris/dia têm sido processados. Nos últimos anos, a Venezuela tem dependido sobretudo da importação de nafta do Irã, que também está sob sanções dos EUA.

A relação com o Irã e a China, inclusive, é o que tem ajudado a dar uma sobrevida à indústria petrolífera no país, mesmo em meio à crise. Os chineses mantiveram a importação do petróleo venezuelano mesmo em meio às sanções americanas.

“Há uma aliança cada vez mais robusta entre China, Irã, Rússia e Venezuela, como uma forma de relação entre países sancionados pelos EUA e uma forma de cooperação entre ‘petroestados’ e um grande consumidor de petróleo, que é a China”, diz o pesquisador da FGV Energia, João Victor Marques.

Produção se recuperou, mas retorno a patamar histórico é difícil

No ano passado, a invasão da Rússia à Ucrânia e as sanções americanas e europeias aos produtos russos no mercado internacional levaram a uma maior abertura dos EUA em retomar as importações da Venezuela. O petróleo produzido no país sulamericano tem características similares ao petróleo russo e é adequado para processamento em refinarias americanas.

O alívio de parte das sanções garantiu um aumento de cerca de 200 mil barris/dia na produção de petróleo do país no primeiro semestre deste ano. Ainda assim, os volumes seguem muito abaixo dos patamares históricos.

 
“Os Estados Unidos permitiram com a que a Chevron retomasse as parcerias para produção na Venezuela a partir de dezembro e isso tem dado um fôlego na produção, que já está chegando a quase 800 mil barris/dia, mas esse volume ainda é muito pequeno em relação à capacidade que o país teria”, diz Marques. 

Apesar do relaxamento de algumas restrições por parte dos EUA em 2022, a baixa capacidade de produção na Venezuela devido à falta de investimentos nos últimos anos dificultou uma retomada mais robusta da produção no curto prazo.

Segundo os especialistas, um dos indicativos de que o país terá dificuldades de retomar a atração de investimentos e aumentar a produção de petróleo é o fato de que o aumento da produção interna de petróleo nos EUA reduziu a necessidade de importação do país, o que também reduz a disposição americana em abrir mão das sanções sem uma contrapartida clara por parte da Venezuela.

Para o ex-presidente da Petrobras e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Sérgio Gabrielli, a Venezuela tem capacidade de atrair mais investimentos e recuperar a produção, mas também enfrenta desafios pelas características do óleo que produz.

“Se a Venezuela abrir um pouco a legislação, ela consegue atrair mais recursos. Existem certos limites para a produção venezuelana porque o petróleo do país é pesado, exige um processo de refino complexo, com demanda localizada em determinadas refinarias. Mas é um petróleo atraente e relativamente fácil de produzir, pois está em terra e águas rasas”, diz. 

País tem maior volume de reservas do mundo

Membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a Venezuela é o país com as maiores reservas de petróleo do mundo, com mais de 300 bilhões de barris em reservas provadas. A produção do país chegou a ultrapassar a marca de 3 milhões de barris/dia na década de 1990, mas caiu para cerca de 600 mil barris/dia em 2022. Nos últimos meses, a extração voltou a crescer e já supera os 800 mil barris/dia, mas ainda está longe de recuperar o volume de antes da crise, que se arrasta há uma década.

O país mergulhou em uma profunda turbulência desde 2013, com a morte do ex-presidente Hugo Chávez e a chegada ao poder do regime autoritário de Nicolás Maduro. Em 2019, Juan Guaidó se autoproclamou presidente com apoio dos EUA, mas o governo paralelo foi dissolvido no fim do ano passado e Guaidó deixou o país. O país sofre com a hiperinflação, que levou a uma crise humanitária e migratória. Segundo a agência da ONU para refugiados, mais de 5 milhões de venezuelanos vivem no exterior.

O pesquisador da FGV Leonardo Paz afirma que o grande ponto de inflexão para a recuperação do país seria a realização de eleições presidenciais livres, mas que não há sinais de que isso vá ocorrer. Para ele, a dificuldade de articulação entre os políticos de oposição ao governo de Maduro torna mais complexa uma mudança no cenário atual.

“Neste momento, não temos nenhuma informação que indique que algo vá mudar na Venezuela, não há indicações de que vá ocorrer um levante popular ou de que esteja havendo uma preparação para realizar eleições livres. Muitas vezes, fenômenos que levam a pontos de inflexão acontecem sem aviso, é difícil de prever, mas não existe hoje nenhum elemento que indique uma mudança de paradigma”, diz.

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