Garimpeiros intensificaram ações de exploração ilegal do ouro na Terra Indígena Yanomami com novas estratégias de invasão quase um ano após a ação emergencial do governo Lula de intervenção no território.
Novas denúncias de invasões de garimpeiros e ameaças contra comunidades dos Yanomami têm chegado à Procuradoria da República em Roraima. O MPF (Ministério Público Federal) reforçou pedido à Justiça Federal para que o governo federal atualize o plano de desintrusão —a retirada de não indígenas que ocupam terras homologadas.
A Associação Hutukara registrou 15 novas ocorrências que indicam a ação de garimpeiros desde agosto. Elas são compostas por denúncias de populações indígenas, enviadas por meio de aplicativo criado pela entidade, WhatsApp e radiofonia.
As ações têm ocorrido de forma mais violenta, segundo o procurador da República, Alisson Marugal. Ele aponta um enfraquecimento da fiscalização nos últimos meses. "O que a gente observa é que o garimpo retornou aos pontos mais desmatados. Até outubro e setembro o Exército estava mais engajado", declara o procurador.
Invasões de território e casos de violência sexual estão entre os relatos. Há também registros da entrada de balsas em rios, casos de malária, mortes de crianças acometidas pela doença, contaminação da água e distribuição de drogas e armas em comunidades indígenas. A associação alerta o MPF por meio de ofícios.
Garimpeiros têm usado novas estratégias para driblar a fiscalização. Segundo entidades, eles têm concentrado as ações na madrugada e no período da noite, distante do curso dos rios e mais próximos da fronteira com a Venezuela, para escapar das operações.
A logística foi alterada. No rio Uraricoera, eles passam com barcos e não tem ninguém para barrá-los. Foram abertas pistas bem perto da fronteira; quando vem a fiscalização, eles fogem para a Venezuela. Sempre foi uma estratégia, mas passou a ser mais usada agora. Estêvão Senra, pesquisador do ISA (Instituto Socioambiental)
"Os garimpeiros estão voltando"
A ausência de fiscalização de órgãos do governo federal tem motivado novas invasões de garimpeiros. "Estamos em alerta. Os problemas de saúde vão voltar, os Yanomamis estão voltando a morrer", afirma Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kuana.
Indígenas relatam ameaças de garimpeiros armados. O último registro de invasão ocorreu em 4 de dezembro, com a presença de garimpeiros armados no rio Catrimani. "Eles estão trabalhando à noite, não estão mais derrubando árvores. Eles têm uma estrutura de helicópteros e aviões, estão aproveitando a fragilidade do governo", afirma a liderança local.
Garimpeiros atuam principalmente em áreas já devastadas. Se antes, eles desmatavam novas áreas de floresta para extrair o ouro, agora se instalam em regiões já abertas para continuar a exploração. Isso impõe dificuldades de monitoramento aos sistemas de alerta.
A nova onda de exploração coloca em risco comunidades já fragilizadas. "Os garimpeiros que chegaram nos últimos quatro anos estão voltando e se expandindo para outros lugares. O garimpo não acabou", afirma Dário Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami.
Quem denuncia sofre ameaças, diz liderança local. "As lideranças relatam que, se denunciarem, correm o risco de serem assassinadas. As comunidades vivem com medo", afirma Júnior. Por isso, os relatos são enviados ao MPF pelas entidades indígenas sob sigilo.
Nosso maior medo se chama crime organizado, PCC e lavagem de dinheiro na terra Yanomami. Já morreram muitos Yanomamis. Os garimpos vão aumentar mais ainda nessa época de fim de ano, porque sabem que haverá menos fiscalização. Dário Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara.
Menos fiscalização do Exército
Autoridades e entidades que atuam na região afirmam que o Exército não tem atuado de forma eficiente na fiscalização. "As ações passaram a ser ineficazes, o contingente e as operações diminuíram", afirma Senra, do ISA. "Com isso, estão atuando de maneira menos camuflada, ampliando o horário em que os aviões trafegam e os barcos passam com mais frequência”.
Os relatos indígenas são os mais confiáveis, afirma o procurador Marugal. Segundo ele, na região de Pupunha, no Xitei, garimpeiros armados expulsaram indígenas e assumiram o controle da região. "Eram pessoas com coletes à prova de bala e armas longas, que entraram na comunidade."
Nos últimos três meses, ficou mais difícil acionar órgãos de fiscalização e policiamento, segundo o procurador. "Conseguia falar mais facilmente com a PF. Agora não adianta fazer uma comunicação em ofício." Isso porque, segundo ele, as Forças Armadas alegam "falta de recursos" e de "capacidade operacional”.
A Polícia Federal apoiava o Exército na fiscalização. "Além do combate direto ao garimpo, a FAB e o Exército têm helicópteros de grande capacidade para dar apoio logístico a outros órgãos durante as operações. Mas isso não tem ocorrido com frequência. A PF tem helicópteros, mas não ficam em Roraima. Com isso, não há uma efetiva desintrusão", diz o procurador. O UOL procurou a PF em Roraima, que informou que não se pronunciaria.
O que dizem as Forças Armadas
O Exército informou que atua por meio de "ações preventivas e repressivas na faixa de fronteira terrestre contra delitos transfronteiriços e ambientais". As ações incluem "patrulhamento, revista de pessoas e veículos terrestres, embarcações e aeronaves, e prisões em flagrante”.
O que precisa mudar, segundo o MPF
A procuradoria cobra uma base da Funai no rio Uraricoera e uma atualização do plano de retirada de não indígenas. Há duas ações civis públicas abertas pelo MPF nesse sentido.
Funai justifica a ausência dizendo que precisa de segurança para atuar. O órgão do governo informa, por nota, que tem a estrutura necessária para a instalação da Bape (Base Avançada de Proteção Etnoambiental) às margens do rio Uraricoera. Contudo, a instalação "será feita assim que a área contar com condições de segurança que preserve a vida dos colaboradores do órgão”.
O MPF cobra a União para atualização do plano de retirada de não indígenas. "É preciso atualizar esse plano considerando um novo contexto de atuação", afirma o procurador. "O que se vê hoje é que a saúde está completamente prejudicada. Kayanau é uma região extremamente atingida pelo garimpo, com 400 indígenas sem qualquer tipo de assistência."
Há uma inércia, uma omissão em se combater o garimpo nos dois últimos meses. Vamos exigir judicialmente um novo plano de desintrusão e o cumprimento de uma nova meta. Alisson Marugal, procurador da República em Roraima.