Muitas comunidades indígenas de Roraima estão adotando leis próprias para combater a violência contra as mulheres dentro de suas tribos. Iniciativas como estas visam resolver casos considerados de menor gravidade dentro das comunidades, buscando responsabilizar os agressores e proporcionar um ambiente de resolução mais acessível e menos intimidador para as vítimas.
A necessidade de estabelecer tais leis surgiu quando as mulheres indígenas identificaram que muitas vítimas de violência doméstica relutavam em denunciar às autoridades, movidas pelo medo em relação aos policiais. Em uma entrevista concedida ao UOL, Norma Mailey Tavares dos Santos, coordenadora-geral da organização das mulheres indígenas de Roraima, ressaltou que diversas mulheres optam por não denunciar devido ao medo.
Diante do contexto, as comunidades iniciaram a criação de regimentos específicos para abordar esses casos, considerando as particularidades de cada cultura e tradição. Sendo assim, regimentos internos são elaborados pelas lideranças das comunidades, e cada caso é discutido por uma comissão que decide, com base no consenso da sociedade indígena, como responsabilizar o agressor.
Nas comunidades indígenas de Roraima, os crimes de violência doméstica cometidos contra mulheres indígenas são obrigatoriamente julgados por mulheres indígenas. Quando ocorre uma denúncia de violência doméstica (física e/ou psicológica) o conselho de líderes indígenas se reúne com o casal, avalia os relatos e determina a punição.
Além da punição, a reunião desempenha o papel de conscientizar aqueles que cometem o crime, buscando também aumentar a vigilância na comunidade.
Casos mais graves, como estupros e homicídios, são encaminhados às autoridades policiais, assegurando uma colaboração efetiva entre as leis indígenas e o sistema jurídico convencional. Além disso, a conscientização sobre a coexistência das leis indígenas com as leis não indígenas é promovida, destacando que ambas são essenciais para a busca de justiça.
Essa autonomia para criar esses regimentos é respaldada pela Constituição Federal, que reconhece o direito dos indígenas à organização social, costumes, línguas e crenças.
A comunidade Pium, localizada na Terra Indígena Manoá-Pium, exemplifica o funcionamento dessas leis, abordando não apenas questões de violência, mas também organização social, saúde, educação e território, visando combater a violência. Como exemplo concreto, a punição para agressores na comunidade inclui prestação de serviços comunitários, com durações variadas, dependendo da gravidade do delito, sendo o mínimo estabelecido em 5 anos.
Embora o sistema prisional ainda seja uma opção em casos extremos, os indígenas da Pium destacam a importância de práticas educativas além da punição. Adicionalmente, mais comunidades planejam adotar essas leis nos primeiros meses de 2024, sendo a Renascer, na região Surumu, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, uma delas.
A esperança é que essa abordagem inovadora inspire uma transformação mais ampla na abordagem à violência contra as mulheres nas comunidades indígenas.