09/06/2024 às 09h19min - Atualizada em 09/06/2024 às 09h19min
O estranho caso de São Luiz do Anauá (Sul de Roraima) que recebeu R$ 109 milhões em emendas parlamentares
A pequena cidade campeã em repasses do Congresso Nacional. Embora minúscula nos últimos quatro anos, recebeu 3.665% acima da média nacional per capita
Obra inacaba do Portal de entrada da cidade de São Luiz do Anau, no Sul de Roraima. A última terça-feira (4) marcaria a segunda tentativa de inauguração de uma obra monumental de boas-vindas aos parcos visitantes da cidade de São Luiz, a menor do estado de Roraima. Orçada em mais de R$ 2 milhões, a construção de um portal com pinta de Arco do Triunfo iluminado por postes em estilo europeu, no entanto, está longe de sair do papel.
A poucos metros dali, um punhado de galpões perto da mata faz parte de um projeto de R$ 13 milhões para a revitalização do parque de vaquejadas que também não foi levado adiante. Difícil entender o que acontece nesse município pobre, a cerca de 3 900 quilômetros de Brasília, onde boa parte dos 7 000 habitantes é cadastrada nos programas assistenciais do governo.
Dinheiro, ao que parece, não é o problema. Embora minúscula, a cidade recebeu R$ 109 milhões apenas em emendas parlamentares nos últimos quatro anos, 3 665% acima da média nacional per capita. Proporcionalmente, é o lugar do país que mais recebeu recursos via repasses do Congresso.
Em resumo: é tudo muito estranho. Segundo dados oficiais, 54% dos R$ 109 milhões enviados a São Luiz chegaram lá por meio das chamadas emendas “Pix” — dinheiro do Orçamento federal que deputados e senadores enviam diretamente aos municípios sem a necessidade de ter uma destinação específica, como construir uma escola ou um posto de saúde.
Por causa dessa facilidade, prefeitos costumam usar essas verbas, entre outras coisas, em obras desnecessárias e para contratar shows de artistas famosos, especialmente em ano eleitoral. A falta de fiscalização também facilita os desvios e a corrupção. Só no ano passado, São Luiz recebeu quase R$ 60 milhões através dessa modalidade.
Para um município que arrecada apenas 581.000 reais em impostos, era para ter dinheiro literalmente saindo pelo ladrão. Mas ninguém sabe dizer ao certo onde os recursos foram aplicados. Para um município que arrecada apenas 581 000 reais em impostos, era para ter dinheiro literalmente saindo pelo ladrão. Mas ninguém sabe dizer ao certo onde os recursos foram aplicados.
Operação da PF
Em seu segundo mandato consecutivo, James Batista (Solidariedade) já frequentou o noticiário policial após uma operação apreender dinheiro escondido em absorventes femininos durante a campanha que o elegeu para o atual mandato. Ele foi cassado pela Justiça Eleitoral, reverteu a condenação e hoje tenta emplacar a mulher como prefeita da cidade vizinha, Rorainópolis.
A Polícia Federal reuniu indícios de que Paula Florintino, a esposa, apresentou evolução patrimonial completamente incompatível com os rendimentos de servidora pública. Nada disso porém, parece ter constrangido a bancada de Roraima. Um terço dos representantes do estado no Congresso enviou recursos a São Luiz. De novo, é tudo muito esquisito. Normalmente, os parlamentares destinam essas verbas às suas bases eleitorais em busca de votos. O município, porém, tem apenas 6. 000 eleitores.
O senador Chico Rodrigues (PSB), por exemplo, é o campeão de repasses à cidade. Foram R$ 13 milhões nos últimos quatro anos. O parlamentar explica por que São Luiz é uma de suas prioridades:
“É uma região em que eu sempre fui bem votado”. Os números o contradizem. Em 2018, ele foi eleito com 111.000 votos. Destes, apenas 1.500 vieram da cidade — pouco mais de 1%. “O dinheiro das minhas emendas foi usado para construir casas populares”, justifica o congressista. Em 2020, durante uma operação da Polícia Federal que dinheiro de emendas parlamentares, Rodrigues foi flagrado com 18.000 reais escondidos nas partes íntimas. Neste ano, ele mandou mais 6 milhões de reais para o município, que mantém canteiro de obras abandonado com várias casas erguidas apenas pela metade.
Catalisadoras de escândalos de corrupção, as emendas Pix não permitem que o eleitor saiba ao certo o que foi feito com o dinheiro enviado pelos deputados e senadores. A fiscalização cabe aos próprios órgãos municipais, que, com mecanismos frágeis de controle e sob influência do prefeito de plantão, costumam ser inoperantes.
“A gente não pode apontar o dedo, provar, mas o prefeito busca muito esses políticos e, na linguagem direta, se entende bem com eles”, acusa o candidato a vice-prefeito derrotado nas últimas eleições, Itamar Paiva Ponte da Silva. “O que a gente ouve são conversas, como ‘eu compro as tuas emendas’ etc.”, completa. Tudo muito, muito estranho.
Fonte: Veja