O Itamaraty pressionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a enviar servidores para acompanhar in loco a tumultuada eleição presidencial na Venezuela deste domingo, segundo apurou a coluna com duas fontes que acompanham de perto as discussões. A decisão marcou uma guinada na posição do TSE, que já havia informado por uma nota divulgada em 30 de maio, sob a gestão de Alexandre de Moraes, que não mandaria ninguém para a Venezuela.
Com a troca de comando no tribunal, que passou a ser presidido pela ministra Cármen Lúcia em 3 de junho, a posição do tribunal mudou. O TSE anunciou na semana passada que enviaria representantes para acompanhar a votação, faltando pouco mais de dez dias para o pleito.
Internamente, a decisão é atribuída à pressão do Itamaraty de Lula, embora fontes próximas ao chanceler Mauro Vieira neguem qualquer forma de pressão. A Nicolás Maduro interessa a chancela do Brasil ao processo eleitoral venezuelano, depois que Lula e seu assessor especial, Celso Amorim, patrocinaram um acordo em Barbados para garantir a plena participação da oposição, transparência e confiabilidade na apuração dos resultados, para que sejam reconhecidos por todos.
Desde então, porém, Maduro já descumpriu o acordo, criando obstáculos para o registro da principal candidata de oposição, Maria Corina Machado, e retirando o convite para a atuação de observadores da União Europeia. Na semana passada, o ditador afirmou que a Venezuela pode enfrentar um “banho de sangue” e uma “guerra civil” caso ele não seja reeleito.
As pesquisas apontam como favorito da eleição o diplomata Edmundo González Urrutia, candidato de consenso da oposição para enfrentar Maduro nas eleições presidenciais, mas o líder chavista tem tentado intimidar tanto o adversário quanto a própria população. Em reação à fala de Maduro, o presidente Lula afirmou ontem ter ficado “assustado”, e disse ter escalado Amorim para ir à Venezuela conferir a realização do pleito.
Além dele, os servidores do TSE são os únicos brasileiros já confirmados na Venezuela. Até a noite desta segunda-feira (22), os dois ainda estavam no Brasil.
Os técnicos escolhidos para a missão são experientes e respeitados no TSE, mas não serão enviados ministros e, de acordo com o próprio tribunal, eles não terão muita liberdade de movimentação, já que vão acompanhar as atividades propostas pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, de acordo com o cronograma disponibilizado pelas autoridades daquele país.
Por isso, a decisão de Cármen provocou mal-estar dentro do TSE e levantou o temor de que o envio de servidores do corpo técnico do Poder Judiciário brasileiro seja interpretado como um endosso a um pleito marcado por ameaças do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.
“É um risco que pode afetar a credibilidade do tribunal”, afirma um ministro ouvido reservadamente pela equipe da coluna e que soube da pressão. “O TSE não pode se submeter ao interesse do governo Lula.”
O envio de observadores do tribunal para acompanhar eleições na América do Sul é comum – a própria Cármen viajou para a Argentina em 2023, quando o ultradireitista Javier Milei se sagrou vencedor. Em 2013, o então presidente do TSE Dias Toffoli acompanhou as eleições na Venezuela, ao lado do chefe da assessoria internacional do TSE.
Naquele pleito, convocado logo após a morte de Hugo Chávez, Maduro venceu o oposicionista Henrique Capriles por uma margem de apenas 250 mil votos.
A empreitada do TSE também chama a atenção porque ocorre após autoridades da Venezuela retirarem um convite à União Europeia para que atuasse como observadora da eleição presidencial de 28 de julho, devido à decisão do bloco de manter, pelo menos até 10 de janeiro de 2025, sanções contra 50 autoridades eleitorais venezuelanas, como congelamento de bens no exterior e veto a viagens a países da região.
Esclarecimentos A equipe da coluna questionou o Itamaraty, na última quinta-feira, sobre qual o papel da pasta no convencimento do TSE em torno da decisão de enviar servidores para acompanhar a eleição venezuelana.
O blog também indagou o Itamaraty se a chancelaria brasileira entrou em contato com Cármen Lúcia para tratar do assunto, mas não obteve nenhuma resposta oficial. Já o TSE afirma que, em maio deste ano, recebeu do Itamaraty um ofício encaminhando um convite do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela para envio de representantes do tribunal para acompanhar o pleito. O documento teria sido respondido formalmente apenas em julho.
O TSE, entretanto, não respondeu à reportagem por que a gestão Cármen Lúcia mudou de postura em relação à administração de Alexandre de Moraes, nem esclareceu qual será exatamente o papel dos servidores escalados para acompanhar as eleições – nem informou se eles visitarão cidades ou farão algum tipo de relatório.
O TSE tampouco informou para quais outros países enviou ou ainda pretende enviar servidores para acompanhar as eleições ao longo deste ano.