26/08/2024 às 15h33min - Atualizada em 26/08/2024 às 15h33min

Chefe do órgão eleitoral da Venezuela denuncia irregularidades na eleição de Maduro

Declaração de Juan Carlos Delpino ao NYT é a primeira a ser feita por alguém do sistema eleitoral e foi veiculada no mesmo dia que principal candidato da oposição é convocado para depor

Dias após o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) venezuelano validar o resultado divulgado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que declarou o presidente Nicolás Maduro como vencedor da última eleição presidencial, um membro do órgão eleitoral disse que "não recebeu nenhuma evidência" de que o chavista de fato venceu a votação. Publicada nesta segunda-feira (26), a afirmação de Juan Carlos Delpino ao jornal New York Times converge com a retórica da oposição e de boa parte da comunidade internacional, e é a primeira grande crítica feita de dentro do sistema eleitoral, de maioria chavista.

A afirmação de Depino foi publicada no mesmo dia que o candidato da oposição Edmundo González Urrutia foi convocado para depor no Ministério Público, ação que o ex-diplomata considera não apresentar garantias de respeito ao devido processo legal. González, que não aparece em público há três semanas, não compareceu à audiência marcada para às 10h (11h no horário de Brasília), na sede do Ministério Público em Caracas. O Ministério fez uma nova convocação ao opositor para esta terça-feira, novamente às 10h locais.

Delpino era um dos cinco membros do CNE, órgão encarregado de decidir a estrutura das eleições, além de receber e anunciar seus resultados. Advogado, foi selecionado em agosto para integrar o conselho, atuando como um dos membros alinhado à oposição dentro do CNE. Na época, muitos venezuelanos viram na seleção uma tentativa de dar ao órgão eleitoral um verniz de equilíbrio e legitimidade.

Quando foi selecionado, Delpino morava nos EUA e retornou à Venezuela para servir no conselho por "grandes níveis de comprometimento" com o processo democrático, segundo argumentou. A maioria no país acreditava que o conselho era controlado por Maduro, mas o advogado, que já foi filiado ao partido opositor Ação Democrática, afirmou ter concordado por acreditar que a "rota eleitoral" era o caminho para a mudança. Mas, ao declarar Maduro como vencedor sem evidências, o CNE "falhou com o país".

— Estou envergonhado e peço perdão ao povo venezuelano. Porque todo o plano que foi tecido, realizar eleições aceitas por todos, não foi alcançado — afirmou o advogado em entrevista ao New York Times.

Na manhã da votação, Delpino disse que acordou otimista e estava na sede do conselho eleitoral em Caracas às 6h. Mas, no fim do dia, quando percebeu que o presidente do CNE, Elvis Amoroso, iria anunciar uma vitória "irreversível" de Maduro sem provas, foi para casa, em vez de participar da entrevista coletiva que anunciou a vitória do chavista. Naquela noite, o advogado decidiu parar de participar do conselho.

O CNE até o momento não apresentou as atas de votação (exigidas pela comunidade internacional, incluindo os mediadores da crise, Brasil e Colômbia). A oposição, por sua vez, alega ter reunido mais de 80% dessas atas (contagens de mais de 25 mil máquinas, segundo o NYT) que, segundo afirmam, mostram a vitória do ex-diplomata com 67% dos votos — atas que o chavismo considera "forjadas". María Corina e González lançaram um site poucos dias após a votação para hospedar esses comprovantes e torná-los públicos.
  • Asilados na embaixada: O advogado se recusou a dizer ao jornal se tinha os dados de votação recebidos pelo governo. Mas em uma mensagem que publicou no X após sua entrevista, Delpino citou uma longa lista de irregularidades que o levaram a "perder a confiança na integridade do processo e nos resultados anunciados". Entre essas regularidades estariam:
  • A recusa do CNE em divulgar os resultados máquina por máquina;
  • Alegações de testemunhas eleitorais de que foram expulsas das seções eleitorais quando estas fecharam, impossibilitando-as de supervisionar os momentos finais da votação;
  • Uma interrupção na transmissão eletrônica dos resultados das máquinas de votação para o centro de dados do conselho (isso poderia criar uma oportunidade para adulterar os dados);
  • A "falta preocupante" de reuniões do conselho nos meses anteriores à votação, o que fez com que Amoroso tomasse decisões "unilaterais" sobre o processo. Isso dificultou que Delpino se opusesse às políticas que inclinaram a eleição a favor de Maduro, como as barreiras ao registro no exterior.
Desde o dia da votação, Diosdado Cabello, um dos aliados mais poderosos de Maduro e vice-presidente do partido, acusou Delpino de fazer parte de um "pequeno grupo de terroristas" que hackeou o sistema eleitoral na tentativa de fraudar uma vitória para González — acusação na qual os dois principais opositores são investigados.

No mês anterior à votação, Delpino criticou a gestão do conselho eleitoral por Amoroso a um meio de comunicação local, o jornal Efecto Cocuyo , ajudando a destacá-lo como um alvo para o partido governista.

Alguns venezuelanos vinham pressionando Delpino a falar e o criticaram por levar semanas para fazê-lo. O advogado disse que estava se apresentando agora por um compromisso com a transparência. Nos anos em que Hugo Chávez e depois Maduro consolidaram o controle, alguns membros da oposição pressionaram por um golpe militar ou intervenção estrangeira. Delpino disse que, apesar de tudo o que viu nas últimas semanas, achava que as eleições eram a resposta para um futuro melhor.

— Acredito até hoje que a resposta para a Venezuela é democrática — defendeu, acrescentando: — A resposta é eleitoral. Com outro protagonista na CNE, claro, mas eu acredito nessa solução eleitoral.

O advogo concedeu a entrevista ao jornal americano enquanto está escondido, por temer retaliações do governo. Nas últimas semanas, as forças de segurança de Maduro prenderam qualquer um que parecesse duvidar de sua reivindicação por mais seis anos no poder, e muitos venezuelanos temem que suas forças estejam cruzando fronteiras para perseguir inimigos. A ONU estima que mais de 2,4 mil pessoas foram presas em meio à onda de repressão que recrudesceu frente aos protestos contrários à reeleição do chavista.

Ameaça de prisão
Os EUA reconheceram González como o vencedor da eleição, e até mesmo os governos da Colômbia e do Brasil — que tentam construir um canal de comunicação entre Maduro e oposição — expressaram "sérias dúvidas" de que o chavista tenha vencido. Além disso, dois painéis independentes que observaram a eleição na Venezuela, um da ONU e outro do Centro Carter, disseram que a votação não atendeu aos padrões mínimos para uma eleição democrática. Frente à contestação dos resultados, Maduro denunciou uma suposta tentativa de golpe de Estado.

O chavista também solicitou uma perícia técnica ao TSJ venezuelano a fim de esclarecer "tudo o que for necessário" sobre as eleições presidenciais". Como esperado, o tribunal validou os resultados divulgados pelo CNE e acusou González Urrutia de "desacato" por se recusar a comparecer às audiências. O opositor alegou que seu direito à defesa foi limitado.

"O procurador-geral da República (Tarek William Saab) tem se comportado reiteradamente como um acusador político. Condena por antecipação e agora promove uma intimação sem garantias de independência e do devido processo", afirmou o ex-diplomata de 74 anos, em um vídeo divulgado nas redes sociais. E acrescentou:

"O Ministério Público pretende submeter-me a uma entrevista sem especificar em que condição devo comparecer (acusado, testemunha ou especialista, segundo a lei venezuelana) e com a pré-qualificação de crimes não cometidos".

González apareceu em público pela última vez dois dias depois das eleições, durante uma manifestação da oposição na capital. Ameaçado de prisão por Maduro, que o chamou de "covarde", o ex-diplomata se limita desde então a pronunciamentos via internet.

— Terá que mostrar a cara — declarou na última sexta-feira o procurador Saab em referência a González Urrutia, a quem responsabiliza, ao lado da líder da oposição María Corina Machado, por atos de violência nos protestos pós-eleitorais que deixaram 27 mortos, incluindo dois militares, quase 200 feridos, além dos milhares de detidos.

Se uma pessoa intimada não comparece, o Ministério Público pode solicitar um mandado de prisão a um tribunal. María Corina convocou protestos para a próxima quarta-feira, quando se completa um mês da eleição.
 
Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Comentar

*Ao utilizar o sistema de comentários você está de acordo com a POLÍTICA DE PRIVACIDADE do site https://peronico.com.br/.
Fale pelo Whatsapp
Atendimento
Precisa de ajuda? fale conosco pelo Whatsapp