21/10/2024 às 06h04min - Atualizada em 21/10/2024 às 06h04min
Marinha usa navio de guerra para deter garimpeiros e leva médicos ao coração de Roraima
‘Estadão’ acompanhou missões das Forças Armadas no Rio Branco, em Roraima, uma das regiões mais isoladas da floresta
- Conteúdo: O Estado de S. Paulo
Foto: Marinha do Brasil
É difícil se equilibrar na lancha da Marinha enquanto os fuzileiros navais fazem a patrulha a cinco metros de distância. Eles querem saber por que o barco não respondeu aos chamados de rádio - a blitz fluvial rastreia suspeitos no coração da Amazônia. O corpo todo balança no ritmo das águas claras da principal “estrada” de Roraima, o Rio Branco.
O calor é úmido, piorado sob o colete à prova de balas e o capacete. A camisa já está encharcada. A lancha Excalibur é blindada, usada principalmente para proteger a tripulação à noite. Uma dúzia de agentes carregam metralhadoras e fuzis. (Por isso os barqueiros não costumam reagir).
Estamos nas proximidades no Rio Catrimani, rota das balsas do garimpo ilegal para se infiltrar na Terra Yanomami, a maior reserva indígena do País. O Estadão embarcou em duas unidades da Marinha para acompanhar, em junho, duas missões em quatro dias:um navio-patrulha que combate o garimpo e um navio-hospitalar que leva atendimento médico a comunidades indígenas e ribeirinhas.
A abordagem da Marinha é rápida – os cinco minutos parecem mais por causa da tensão. As respostas dos donos do barco não convencem. A embarcação é escoltada para um interrogatório no navio-patrulha Raposo Tavares. O gigante de 60 metros tem o apelido de Leão dos Rios, mas se move sem barulho no silêncio da mata. Ao meu lado, uma metralhadora 7.62mm e o semblante fechado de um fuzileiro. A movimentação da Marinha faz parte da Operação Catrimani II. Coordenada pelo Ministério da Defesa, a ação reúne as três Forças Armadas de forma integrada, com a colaboração da Casa de Governo de Roraima, vinculada à Casa Civil da Presidência da República.
É uma operação de guerra no maior território indígena do Brasil em extensão territorial com 9,5 milhões de hectares ou 192 mil km2, mais que o dobro da área de Portugal. Ali vivem quase 30 mil indígenas em mais de 370 comunidades. No total, são 800 militares mobilizados.
Programada para ocorrer até 31 de dezembro, a ação recebe o nome do Catrimani, um dos cursos d’água mais afetados pelo garimpo. Na língua Yanomami, o rio se chama Wakatha u e waka é o nome dado ao tatu-canastra, espécie ameaçada de extinção.
A 1ª fase da operação, de janeiro a março, enviou 360 toneladas de suprimentos para 236 comunidades indígenas. A segunda fase está em curso e já destruiu 333 acampamentos de garimpeiros, fez 124 prisões e apreendeu 76 armas.
A Terra Yanomami enfrenta crise sem precedentes. Nos próximos capítulos da reportagem especial, o repórter fotográfico Daniel Teixeira e eu, Gonçalo Junior, levamos você para essa região, uma das mais isoladas da floresta. A área é alvo da mineração ilegal de ouro desde os anos 1980. Mas, nos últimos anos, a busca pelo minério se intensificou - em 2022, o garimpo chegou a 80 mil localidades na Amazônia.
A invasão garimpeira contamina os rios com mercúrio, mata os peixes e degrada o bioma, crucial para frear a crise climática. E isso se reflete na saúde dos Yanomami, com casos de malária e desnutrição. Também há registros frequentes de conflitos armados. Foi por isso que os comandantes desconfiaram quando a embarcação não respondeu aos avisos de rádio no Rio Branco.
Em vários pontos da região, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e outras facções se aliam aos garimpeiros, o que impulsiona tanto os crimes ambientais como o narcotráfico, que usa os rios como rota para escoar cocaína.
A insegurança restringe até o funcionamento de postos de saúde. Desde janeiro de 2023, quando fotos de crianças indígenas esqueléticas circularam pelo mundo, o território está em emergência sanitária. A medida foi decretada pelo governo federal para expulsar os garimpeiros e levar atendimento de saúde - o que, muitas vezes, depende do reforço das embarcações da Marinha.
Um ano depois, porém, a investida ficou aquém do prometido. O total de óbitos de Yanomami subiu 5,8% e a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) liberou em março R$ 1 bilhão extra para novas ações. O Ministério dos Povos Indígenas diz que entre 2023 e este ano caiu 33%, mas não detalhou os dados.
No início de 2023, eram cerca de 20 mil garimpeiros ilegais na área Yanomami - em abril deste ano, a pasta estimava que havia ainda sete mil. O governo diz agora adotar a métrica de novas áreas de garimpo para monitorar a situação. De março e setembro, 37 hectares de novas atividades foram detectados e, no ano passado, 984 hectares.
Fonte: Marinha do Brasil