08/04/2023 às 17h55min - Atualizada em 08/04/2023 às 17h55min

Linhão de Tucuruí e BR-319 são obras de maior perigo a indígenas, mostra estudo.

Divulgação


Um estudo feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) mostra que 397 terras indígenas podem ser impactadas por futuras obras do governo federal, como a construção de rodovias, ferrovias e usinas hidrelétricas. Esse número representa 66%, ou dois terços, dos 599 territórios com algum tipo de delimitação geográfica no banco de dados do ISA – há pouco mais de cem TIs no país sem área definida e, por isso, não foram consideradas.

Segundo o estudo, assinado pelo pesquisador Antonio Oviedo, em média as terras são ameaçadas por quatro obras simultaneamente e 67% delas podem ser impactadas por mais de um empreendimento. Oviedo aponta ainda a necessidade de especial atenção aos casos que tocam territórios com presença de povos indígenas isolados.
Segundo o levantamento, 92 povos isolados podem ser impactados por essas obras, considerando também grupos que ainda não têm sua existência confirmada pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), mas há indícios de que habitem o local.

“As usinas hidrelétricas e as estradas são os empreendimentos que mais geram impacto ou têm maior abrangência em termos de área impactada”, afirma Oviedo.
Para o cruzamento de dados, ele usou a chamada área de influência direta de um empreendimento, o mesmo critério usado em estudos de licenciamento ambiental para cálculo do potencial de impacto de uma obra. Portanto, foram consideradas ameaçadas as terras indígenas com sobreposição às áreas de influência.

“As usinas afetam todo um regime hídrico, as vazões de rios, e isso têm impacto muito grande na segurança alimentar das comunidades. Elas também trazem muito fluxo de trabalhadores e abrem frentes de desenvolvimento regional que geralmente acabam trazendo junto atividades ilegais de exploração de recursos naturais e aumentando a taxa de desmatamento”, diz o pesquisador.
Ele cita como exemplo a usina de Belo Monte, no Pará, que enfrentou forte resistência de ambientalistas e de movimentos sociais e que, construída, gerou diversos impactos na região.
Quanto às estradas, ele lembra o caso da BR-163, que vai do Rio Grande do Sul até o Pará e, logo após o seu anúncio e mesmo antes de ter sido construída, resultou na aceleração da grilagem de terra nos arredores do seu percurso.

Ainda, rodovias que cortam florestas são de difícil fiscalização e facilitam o acesso a áreas de preservação, a exploração de seus recursos e a prática de crimes ambientais. Esse efeito é chamado por ambientalistas de espinha de peixe, pois são abertos diversos pequenos caminhos mata adentro, partindo da estrada. “A hidrelétrica no estado de Roraima, que já está em debate há tempos, a linha de transmissão para ligar Roraima no sistema nacional de abastecimento e que corta a Terra Waimiri Atroari, e a BR-319, que tem uma área de influência com diversos territórios, são as obras de maior perigo”, afirma, ressaltando esta última como a principal. O licenciamento da BR-319, em especial do chamado trecho do meio –  que corta o coração da floresta amazônica, no Pará –, foi debatido por anos e avançou durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

A liberação para as obras, porém, é questionada por ambientalistas. Além disso, os mesmos estudos que liberaram sua execução apontam o risco de aumento na grilagem. E os povos indígenas que vivem na região reclamam não terem sido consultados sobre o tema, como prevê a lei.
A rodovia já foi defendida por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em anos anteriores. Recentemente, em audiência no Senado, o ministro dos Transportes, Renan Filho, também deu declarações em seu favor, ponderando o potencial impacto ambiental.

O presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Rodrigo Agostinho, já afirmou, no entanto, que o empreendimento carece de estudos.
Foi também no governo Bolsonaro que o desmatamento no Brasil cresceu aceleradamente, com o avanço do garimpo ilegal e também de madeireiros.
O levantamento do ISA considerou empreendimentos registrados na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), na EPL (Empresa de Planejamento e Logística), na Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e no EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

Foram utilizados aqueles com o status de planejado. No total, são 648 obras com potencial de impactar terras indígenas. Oviedo diz, ainda, que não há nesses bancos de dados informações sobre o andamento burocrático dos empreendimentos, ou seja, não há forma de se saber, por exemplo, quais dessas obras são prioridades do governo Lula e quais não devem sair do papel no que depender da atual gestão. “É preciso acompanhar a agenda do governo. Conforme forem anunciadas prioridades, poderemos aprofundar a análise para obras mais específicas”, afirma.
 

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