O Ministério do Trabalho contratou, por R$ 15,8 milhões, uma ONG do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), para atuar na retirada de lixo da terra indígena yanomami, em Roraima. O convênio foi firmado por meio da Secretaria de Economia Popular e Solidária, comandada pelo ex-ministro Gilberto Carvalho (PT), um dos mais importantes conselheiros do PT e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A ONG Unisol (Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil) funciona em uma sala alugada, de 40 m², no subsolo do prédio do sindicato e tem entre seus diretores Carlos José Caramelo Duarte, que ao mesmo tempo é vice-presidente do sindicato. O presidente da ONG é Arildo Mota Lopes, um ex-diretor da entidade sindical. Ambos são filiados ao PT. A direção da entidade não atendeu aos pedidos de comentário da reportagem. O espaço segue aberto.
O sindicato dos metalúrgicos ao qual a Unisol é ligada foi presidido por Lula nos anos 1970 e sua sede, em São Bernardo, foi o local onde ele permaneceu por dois dias antes de se entregar à Polícia Federal para cumprir pena imposta na Operação Lava Jato, em 2018.
O contrato da Unisol com a secretaria de Gilberto Carvalho é o segundo maior custeado com a verba destinada pelo governo, em 2024, à “gestão de políticas para povos indígenas”. O montante só é menor que os R$ 64,2 milhões pagos a uma empresa de serviços aéreos. Os deslocamentos às principais bases na terra indígena yanomami só podem ser feitos com aeronaves. A chamada “ação orçamentária” para a gestão da política para povos indígenas reservou R$ 254 milhões no ano passado.
O recurso foi integralmente depositado para a ONG em 31 de dezembro, três dias após a assinatura do acordo. Com o dinheiro, ela deverá subcontratar prestadores de serviços como de limpeza, contábeis e jurídicos, além de assessores e coordenadores. Os repasses para a entidade em 2024 são recorde, na comparação com os últimos dez anos.
O convênio firmado com a Unisol foi citado em reportagem da Folha de S. Paulo sobre aumento de repasses do Ministério do Trabalho, de Luiz Marinho, para ONGs. A reportagem do Estadão tenta contato com o presidente Arildo Lopes desde o início de maio, mas ele recusou as chamadas e não retornou os recados que lhe foram deixados. Outros dois dirigentes da Unisol também foram procurados para falar sobre o projeto e recusaram.
A contratação é fruto de um edital lançado pelo Ministério do Trabalho em novembro para capacitar catadores de materiais recicláveis, realizar ações de educação ambiental e dar destinação adequada a resíduos sólidos em dez bases do território yanomami.
A medida é necessária, segundo o governo, porque cestas básicas doadas aos povos isolados geram resíduos que precisam ser retirados para reduzir o impacto ao meio ambiente e à saúde dos indígenas.
Dez ONGs se apresentaram para a disputa. Metade foi desclassificada por não apresentar um plano de trabalho. Duas foram selecionadas. Além da Unisol, a CEA (Centro de Estudos e Assessoria), entidade com sede em Brasília que pertence a um outro militante do PT. Esta receberá R$ 4,2 milhões, dos quais R$ 1,6 milhão já foi pago.
Uma comissão do ministério com cinco integrantes fez a seleção das entidades. Cada um precisou atribuir pontos aos projetos apresentados conforme os itens exigidos no edital. A reportagem teve acesso aos documentos. Embora as planilhas tivessem campo para lançar uma nota e incluir observações sobre ela, só dois avaliadores escreveram. Na análise sobre os currículos, eles tiveram avaliações opostas. Um tirou pontos por causa do que considerou “breve menção sobre qualificação”. Outro apontou “profissionais com experiência comprovada”.
O termo de fomento celebrado com a Unisol estabelece, ao mesmo tempo, a “liberação do recurso em parcela única” e em “consonância com as metas da parceria”. Segundo o governo, o pagamento por antecipação foi feito “respeitando os preceitos constitucionais, as regras da administração pública e a excepcionalidade da ação, oriunda de medida provisória diante da urgência de atender a crise humanitária na terra yanomami”.
Entretanto, nem todas as entidades e empresas contratadas com a verba prevista na mesma rubrica receberam o valor integral em 2024. Até a CEA, contratada para atuar no mesmo projeto, só recebeu 40% do total em 2024. Questionado sobre o critério para a liberação do dinheiro para outras entidades, o ministério não respondeu.
Apesar de a verba já estar no caixa da ONG do sindicato, as atividades em campo só devem começar no segundo semestre. Segundo o Ministério do Trabalho, nos três primeiros meses houve “reuniões de planejamento técnico da operação”. No segundo trimestre “iniciaram os
“A estimativa é que 70 toneladas de plástico estejam acumuladas na área”, destacou a pasta. O plano de trabalho apresentado pela ONG não estipula uma quantidade de lixo mínima a ser removida.
A entidade se compromete apenas a, no prazo de dois anos, “promover o fortalecimento de três organizações de catadores de recicláveis”, “promover a qualificação de 80 catadoras das organizações apoiadas”, “promover 20 ações de educação ambiental nas comunidades onde se localizam as organizações de catadores apoiadas”, “garantir a atuação de 20 agentes indígenas recicladores na terra yanomami” e “garantir a retirada e a destinação adequada de resíduos sólidos em dez bases yanomami”.