Eles subiram no barco na costa caribenha do Panamá, cerca de 40 pessoas ao todo, com os pertences amontoados em sacos de lixo e os filhos agarrados para a árdua viagem que tinham pela frente. Eles não estavam desafiando o governo dos EUA ao seguirem em direção à fronteira. Estavam voltando para a Venezuela — fazendo exatamente o que os oficiais americanos desejam — mesmo sabendo que enfrentariam ameaças de roubo, sequestro e uma travessia perigosa mais uma vez.
— É um sonho destruído — disse Junior Sulbarán, que, como os outros, havia fugido da Venezuela no ano passado, levando sua filha recém-nascida por milhares de quilômetros rumo ao norte, atravessando o perigoso trecho de selva conhecido como Darién.
Ele e sua família chegaram à Cidade do México pouco antes do início segundo mandato do presidente americano, Donald Trump, e logo ouviram a mensagem do governo.
— Se você está pensando em entrar ilegalmente nos Estados Unidos, nem pense nisso — disse Kristi Noem, secretária de segurança interna, em um vídeo da Casa Branca publicado em fevereiro. — Se você entrar em nosso país e infringir nossas leis, vamos caçá-lo.
Não há um número claro de quantas pessoas decidiram deixar os Estados Unidos ou desistiram de ir para lá, e o volume de imigrantes cruzando a fronteira sul já havia caído drasticamente mesmo antes da posse para o segundo mandato de Trump, em janeiro.
Mas, como um indicativo de que alguns migrantes estão começando a retornar à América do Sul, mais de 10 mil pessoas — praticamente todas da Venezuela — pegaram barcos do Panamá para a Colômbia desde janeiro, segundo autoridades panamenhas, que afirmam que mais pessoas partem a cada semana.
É um número pequeno comparado às centenas de milhares de venezuelanos que entraram nos Estados Unidos e no México nos últimos anos, mas a nova e movimentada rota de barco rumo ao sul é um sinal, segundo migrantes, autoridades e grupos de direitos humanos, de que as táticas rígidas do governo Trump estão surtindo efeito.
“O mundo está ouvindo nossa mensagem de que as fronteiras dos EUA estão fechadas para infratores da lei,” disse Tricia McLaughlin, porta-voz do Departamento de Segurança Interna, em um comunicado. “Migrantes agora estão até mesmo voltando antes de chegar às nossas fronteiras.”
Para quem está nos Estados Unidos, ela disse, “é uma escolha fácil: saia voluntariamente e receba US$ 1 mil (R$ 5,6 mil na cotação atual)”, referindo-se à oferta do governo para “auto-deportação voluntária”.
Embora o governo possa alegar que sua estratégia é um sucesso, especialistas dizem que muitos migrantes enfrentam tantas barreiras para voltar para casa que, mesmo que estejam dispostos, é extremamente difícil retornar.
— Eles estão presos, onde quer que estejam — disse Juan Cruz, que foi o principal assessor de Trump para a América Latina durante o primeiro mandato, observando que muitos migrantes estão empobrecidos, endividados e sem documentos de viagem.
Venezuelanos, ele acrescenta, também enfrentam um governo hostil que deixaram para trás para tentar a vida nos EUA. O governo Trump pode não se importar com como as pessoas voltam para casa, disse Cruz. Mas se quer incentivar mais retornos, ignorar os obstáculos enfrentados pelos migrantes “não é o caminho”, afirmou.
— Eles não têm absolutamente nada a seu favor — pontuou Cruz.
Entre os que estão partindo, migrantes venezuelanos em particular dizem sentir-se alvo do governo americano, que recentemente encerrou medidas de proteção contra deportação de imigrantes de países considerados de risco e enviou centenas de homens para uma prisão em El Salvador sob acusação de serem membros de gangues, sobretudo a venezuelana Tren de Aragua.
No Texas, ônibus rumo ao sul estão lotados de venezuelanos que dizem temer ser detidos por causa de tatuagens ou separados de seus filhos. No México, há uma competição desesperada e que pode durar meses para conseguir um voo para Caracas. No Panamá, os arredores de Colón se tornaram um polo de operadores de barco cobrando centenas de dólares para atravessar em embarcações precárias, desviando da floresta do Darién rumo à América do Sul.
Para muitos migrantes venezuelanos, não é tão simples quanto levantar a mão e embarcar em um avião.
Alguns não têm documentos de viagem após anos na estrada — ou não têm documento algum — e como a Venezuela tem poucos consulados, é extremamente difícil emiti-los de novo. Um passageiro no barco do Panamá, Adrián Corona, disse que seu passaporte estava vencido e seu documento de identidade se perdeu no Darién.
Ele voltou do México, assim como Sulbarán, sua esposa e a pequena Samantha Victoria, sua filha, que já estavam em movimento há mais de um ano quando chegaram ao Panamá para retornarem.
— Saímos de Santiago, no Chile, passamos pela Bolívia, depois Peru, depois Equador, depois Colômbia, e finalmente entramos no Darién — contou Sulbarán sobre sua fuga tortuosa da Venezuela em colapso. — Passamos seis dias na selva.
Ao deixar o México, eles pegaram ônibus rumo ao sul até a costa do Panamá, onde colocaram seus pertences em sacos de lixo para protegê-los das tempestades e das ondas.
Muitos venezuelanos economizaram por meses para conseguir fazer a difícil jornada, que pode custar alguns milhares de dólares a uma família pequena.
Geraldine Rincón, que descobriu a rota de barco no TikTok, contou que sua mãe vendeu uma motocicleta na Venezuela para ajudar a financiar a viagem dela e dos dois filhos pequenos. Apenas para embarcar, cada migrante paga cerca de US$ 300 (R$ 1.700) , usando pulseiras rosas como comprovante.
E uma vez a bordo, os perigos não acabam.
Os barcos percorrem mais de 300 quilômetros pelo Caribe, parando em uma vila na beira do Darién, antes de seguir rumo à Colômbia. Pelo caminho, às vezes passam por paisagens de cartão-postal — navios cargueiros perto do Canal do Panamá, ilhas cobertas de palmeiras — mas com frequência enfrentam mar agitado e sol escaldante.
Pelo menos uma viagem já foi fatal. Em fevereiro, uma criança venezuelana de 8 anos se afogou e cerca de 20 migrantes precisaram ser resgatados após o barco virar.
Por um momento, migrantes que partiram no início de maio temeram outro desastre. Quando o barco deles se aproximava de um posto de controle migratório na ilha de El Porvenir, ouviu-se um estalo alto. Uma hélice havia batido num recife.
Eles chegaram ao posto, onde autoridades panamenhas contam os passageiros e garantem principalmente que continuem o trajeto. Mas cerca de uma hora depois, o motor danificado parou de vez, restando apenas um em funcionamento.