Falar sobre a população indígena Yanomami é falar sobre infância e juventude. A relação pode não aparecer à primeira vista, mas um estudo lançado nesta quarta-feira (15) reforça o dado que três em cada quatro Yanomami são crianças, adolescentes ou jovens menores de 30 anos.
O estudo “Infância e Juventude Yanomami: O que significa ser criança e os desafios urgentes na Terra Indígena Yanomami”, lançado pelo UNICEF Brasil a poucos dias da CP30, reúne uma visão abrangente da infância e da juventude Yanomami a partir de sua própria visão de mundo. O levantamento, elaborado com base em documentos, coleta de dados, estudos antropológicos, depoimentos de lideranças e experiências de vida, sistematiza a forma como esse povo compreende a infância e o papel das novas gerações em sua comunidade à luz dos desafios colocados para crianças e jovens.
O relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) faz um retrato de como é nascer e crescer na maior terra indígena do Brasil, com mais de 9 milhões de hectares. São informações culturais importantes, como o hábito de não dar nomes para crianças de até dois ou três anos, por receio que elas não sobrevivam ou outras crenças. Um costume que vem se modificando, pela necessidade de registro, trazida pelos não indígenas.
No dia a dia, as crianças Yanomami raramente são castigadas fisicamente pelos adultos, porque elas ainda são muito novas para ter consciência sobre os primeiros erros, explica a antropóloga Ana Maria Machado.
"A gente tem muito a aprender com os Yanomami sobre a infância. A grande autonomia que as crianças têm e a livre circulação são pontos muito específicos da infância e do que é uma criança Yanomami. Elas circulam por todos os ambientes, não tem ambientes que sejam proibidos. Elas aprendem muito umas com as outras ou com os adultos e estão envolvidas numa vida de comunidade, que eu acho que é um ponto que a gente esqueceu muito, essa vida de comunidade."
Mas a antropóloga alerta para registros recentes, entre janeiro e outubro de 2023, em que 53% dos óbitos foram de crianças na primeira infância.
"As crianças, em especial aquelas com idade de 0 a 5 anos, são sempre as mais impactadas nesses momentos de grande crise sanitária ou de grande desestruturação do serviço de saúde, como foi no período que teve a última grande invasão garimpeira, até o final de 2022 e início de 2023."
Uma geração marcada pela desnutrição, malária, doenças pulmonares e contaminação por mercúrio proveniente do garimpo ilegal, que afetaram a população de cerca de 31 mil pessoas nos estados de Roraima e Amazonas, explica Ana Maria Machado.
"Como diz um amigo Yanomami, onde tem garimpo tem malária e isso leva as famílias a ter uma maior dificuldade em fazer as roças. Também leva a um ciclo de fome e desnutrição que por outro lado se agrava, porque tem maior destruição da floresta. O garimpo também leva a um aumento de bebida alcoólica nas regiões, há uma desestruturação da juventude que muitas vezes é cooptada pelo garimpo."
Para combater essa situação, o relatório do Unicef também lembrou ações tomadas pelo governo federal, que começaram com a Declaração da Emergência no território Yanomami, em janeiro de 2023; a criação permanente da Casa de Governo, em Roraima, no ano seguinte; e novas ações de Saúde e a retomada da Educação Escolar Indígena no Território.
Recomendações
A partir das vozes Yanomami e da análise antropológica, o estudo aponta caminhos centrais:
Uma construção coletiva
Com apoio da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e da Urihi Associação Yanomami, o estudo foi realizado pelos consultores e antropólogos Ana Maria Machado e Marcelo Moura. A publicação é uma iniciativa da área de Mudança Social e de Comportamento (SBC, pela sigla em inglês) e da Coordenadoria para Assuntos Indígenas do UNICEF Brasil, com financiamento da União Europeia, por meio do Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária (ECHO).