29/06/2023 às 16h04min - Atualizada em 29/06/2023 às 16h04min

INDENIZAÇÃO: MPF quer R$ 1 milhão de Antonio Denarium por ter chamado índios Yanomami de bichos.

Declarações proferidas por Antônio Denarium, em entrevista, desumanizaram os povos da região e minimizaram crise humanitária que os atinge.

- Fonte: Ministério Público Federal/Procuradoria da República em Roraima
Denarium foi denunciado por fala discriminatória contra índios Yanomami ao compará-los a bichos.
 
 

O Ministério Público Federal (MPF) em Roraima ajuizou ação civil pública contra o Estado de Roraima (RR) em razão de declarações discriminatórias do governador, Antônio Denarium, sobre o povo indígena Yanomami. Os comentários foram proferidos em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo no dia 29 de janeiro deste ano. Na ação, o MPF pede a retratação do ente estatal, por intermédio do chefe do Executivo, quanto às declarações proferidas, além de reparação por danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão.

A ação aponta que o governador teria utilizado expressões que desumanizaram e menosprezaram a cultura dos Yanomami, incentivando o abandono do seu modo de vida tradicional. Além disso, as falas de Denarium minimizaram a atual crise humanitária vivida pelos Yanomami e o impacto da ação do garimpo na saúde, no modo de vida e no território desse povo. A íntegra da entrevista é transcrita na peça, que destaca trechos da fala do governador caracterizadas como ódio étnico: “Eles [indígenas] têm que se aculturar, não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho”. Segundo o MPF, a declaração despreza e subjuga a autonomia, a organização social e os seus modos de criar, fazer e viver. “Ao compará-los a ‘bichos’, coisifica o grupo étnico, relegando-o à condição sub-humana”.

O governador de Roraima ainda afirmou à matéria da Folha que a desnutrição não existiria somente no estado, não sendo possível vincular o garimpo à situação dos Yanomami. Ele teria defendido também a aculturação do povo indígena e a exploração econômica de suas terras. A fala teve grande repercussão local e nacional, despertando a indignação dos povos indígenas, razão pela qual foi formalizada representação pela comunidade yanomami, pelo Conselho Indígena de Roraima e por cidadãos não indígenas. O MPF ainda abriu inquérito para apurar as declarações, que foram confirmadas em nova entrevista à Veja. A ação também relata que o escritório jurídico da empresa Folha da Manhã, responsável pela edição do jornal Folha de S.Paulo, declarou possuir “todos os registros pertinentes à comprovação do quanto descrito na matéria”.

Panorama e histórico – A ação civil pública detalha a atual situação da mineração ilegal no estado e seus impactos na Terra Indígena Yanomami, com a crescente sobreposição dos garimpos ilegais nos espaços de uso tradicional das comunidades, tanto no entorno das aldeias quanto nos cursos de rios, com consequências para as populações e para o meio ambiente. A peça também apresenta a contextualização histórica que levou ao quadro de racismo institucional contra os povos indígenas.

A fim de demonstrar “a conhecida a tensão étnica existente nesta parte do Brasil entre indígenas e não-índios”, a ação do MPF traz episódios violentos contra os povos da localidade, desde o passado colonial até o Massacre de Haximu, ocorrido há 30 anos. A peça do MPF cita também eventos recentes que teriam contribuído ainda mais para o agravamento da situação, como a extrusão de milhares de garimpeiros invasores quando da homologação da Terra Indígena Yanomami no governo Collor (Decreto de 25/5/1992); a desintrusão de rizicultores da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Pet 3.388, Rel. Min. Ayres Brito, julgada em 2008); a controvérsia atinente à constitucionalidade da criação do Município de Pacaraima; além do aumento da atividade garimpeira, que ensejou nova onda de intolerância contra os indígenas locais.

“Tragédia humanitária” é a denominação dada por alguns meios para descrever a situação de violações sistemáticas de direitos dos povos indígenas denunciadas pelas mídias nacional e internacional. A ação lembra inúmeras violações para descrever o quadro, como o aumento da mortalidade infantil Yanomami, entre 2019 e 2022; a dolosa difusão de armas e drogas promovidas por garimpeiros ilegais como estratégia de cooptação de jovens indígenas; denúncias de crimes sexuais contra mulheres e crianças indígenas; a contaminação por mercúrio das águas dos rios, que leva ao adoecimento da população; somada às vulnerabilidades epidemiológicas ligadas à situação nutricional dos indígenas.

No momento em que a devastação da TI Yanomami causada pelo garimpo ilegal assumia trágicas proporções, foi sancionada pelo governador a Lei 1453/2021, em fevereiro de 2021, a fim de regulamentar o licenciamento para a atividade de lavra garimpeira no Estado de Roraima, inclusive aquela exercida com uso de mercúrio. O ato legislativo, julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) poucos meses depois, buscou legitimar politicamente a garimpagem em terras indígenas perante a sociedade local. O MPF aponta que o Estado de Roraima atuou, portanto, por intermédio de seus Poderes Executivo e Legislativo, como incentivador de crimes ambientais e fomentador do discurso de desprezo às populações vítimas.

Em julho de 2022, o estado reincidiu na promoção de uma lei inconstitucional, que tem por consequência a segregação étnica. A Lei 1.701/2022, também sancionada por Denarium, proibia os órgãos ambientais de fiscalização, e a Polícia Militar de destruir e inutilizar bens particulares apreendidos nas operações e fiscalizações ambientais no estado. A lei foi cautelarmente suspensa em outubro pelo STF e declarada inconstitucional de forma unânime em fevereiro deste ano.

Outras medidas – Em 2017, o MPF ajuizou Ação Civil Pública (1000551-12-2017.4.01.4200) diante das evidências de intensificação da atividade garimpeira na terra Yanomami, pleiteando a instalação de três bases de proteção etnoambiental (Bapes) no território. Em abril de 2020, com a persistência da invasão garimpeira e os perigos sanitários decorrentes da pandemia de covid-19, o MPF ajuizou outra ação (ACP 1001973-17.2020.4.01.4200), pedindo a completa retirada de garimpeiros ilegais. A peça também cita iniciativas de outras entidades de defesa dos povos indígenas e de direitos humanos.

Por meio de tais medidas, entre julho de 2020 e dezembro de 2022, foram proferidas 18 decisões, acórdãos e resoluções pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), Seção Judiciária de Roraima (JF/RR), Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), todas total ou parcialmente descumpridas pela União e suas entidades vinculadas. O MPF assevera que a gravidade dos sucessivos descumprimentos de decisões judiciais foi acentuada pelo fato de as autoridades terem conhecimento das atividades ilícitas na região e, ainda assim, enfraquecerem a capacidade estatal de fiscalização e estimularem garimpeiros ilegais por meio de declarações públicas que empoderam organizações criminosas.

Na ação, o MPF requer que o pedido de retratação pelo governador seja feito meio de vídeo com manifestação oral, a ser divulgado nos sites oficiais e redes sociais do governo do Estado de Roraima. Segundo o pedido, o valor da indenização por danos morais deverá ser recolhido em conta vinculada à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e aplicado em ações administrativas a favor dos povos da Terra Indígena Yanomami, conforme plano a ser acompanhado pelo MPF e com consulta aos povos atingidos.

 


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