Boa Vista (RR) – A empresa Cataratas Poços Artesianos Ltda foi contratada pelo Ministério da Defesa para construir poços artesianos na Terra Indígena Yanomami, com um orçamento de R$ 185 mil. A contratação foi feita sem licitação e publicada no último dia 10 no Diário Oficial da União. A dispensa de licitação, embora seja emergencial no contexto de crise sanitária e de saúde vivida pelos Yanomami, por si só, já poderia ser suficientemente questionada. Mas o fato da empresa pertencer a um dos maiores chefes do garimpo ilegal na terra indígena demonstra que a contratação, se não traz irregularidades administrativas, é carregada de contradições. Lideranças indígenas ouvidas pela Amazônia Real demonstraram indignação com a escolha inusitada para o atual contexto.
Rodrigo Martins de Mello, conhecido como Rodrigo Cataratas, proprietário da Cataratas Poços Artesianos Ltda, é apontado com um dos maiores financiadores do garimpo na TI Yanomami. Ele foi acusado pelo Ministério Público Federal de ser um líderes da atividade. Um helicóptero de sua propriedade usado para o garimpo foi apreendido e destruído pelo Ibama em fevereiro deste ano. Ele foi foi multado em R$ 5 milhões por usar helicóptero em áreas de garimpo na TIY.
Natural do Paraná, Rodrigo Cataratas acumula uma multa por crimes ambientais de mais de R$ 7 milhões. Ele foi indiciado em cinco inquéritos, considerado réu, mas até hoje conseguiu escapar da prisão. Em fevereiro, em plena emergência em saúde pública para o povo Yanomami, a Justiça Federal negou pela sexta vez sua prisão. Apoiador de Bolsonaro, em 2022 tentou ser eleito deputado federal. Com a promessa de legalizar o garimpo, ele não se elegeu.
Junior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Considi-Y), disse à Amazônia Real nesta sexta-feira (14) que “não é aceitável” o empresário ganhar o contrato frente a tantos envolvimentos dele com o garimpo no território indígena. Júnior diz que é preciso que o Ministério Público Federal apure este ato do Ministério da Defesa.
“Rodrigo Cataratas é conhecido por todas as autoridades. Ele investiu muito na entrada dos garimpeiros na Terra Indígena Yanomami e agora ganhou uma licitação [sic] para fazer poço artesiano no Surucucu. Isso não é aceitável. É muito constrangimento para o povo Yanomami. Então, acho que tem que ter mais apuração do Ministério Público Federal porque a empresa dele está irregular e ganha de novo”, disse Junior Hekurari.
Junior Hekuari avaliou como “oportunismo” a permanência das empresas de Cataratas na Terra Indígena Yanomami e pediu para que as autoridades revoguem o extrato de dispensa de licitação.
“[Está] colocando [nossa] liberdade em risco. Talvez vai procurar mais ouro lá, furando o poço artesiano na terra indígena. Então, é um grande risco. Acho que governo federal, 6º BEC [Batalhão de Engenharia de Construção], Exército, Funai, COE-Y, têm que rever essa situação e não deixar furar esse poço artesiano da empresa do Rodrigo Cataratas, porque ele é que financiou [o garimpo]. Ele é a grande liderança dos garimpeiros na Terra Indígena Yanomami. Oitenta por cento ele que destruiu a Terra Indígena Yanomami, [no] Homoxi e Xitei”, declarou a liderança indígena.
A região do Xitei é onde, recentemente, foi flagrada a atividade de garimpo que ainda não foi desativada pelo governo federal, conforme reportagem publicada pela Amazônia. “O Governo Federal não olhou isso daí. Não olhou para não colocar a empresa dele, isso é muito risco, muito preocupante,” alerta Junior Hekurari.
Outra liderança indígena Yanomami indagou das autoridades do governo federal, surpreso, sobre a contratação, em um grupo de Whatsapp. “Segundo informações que recebemos a empresa do Rodrigo Cataratas, maior garimpeiro milionário do estado de Roraima, ganhou licitação para perfuração de poço artesiano em Surucucu”, disse.
Poços serão para atender pelotão e centro de referência
Em nota enviada à Amazônia Real, o 6º Batalhão de Engenharia de Construção, do Ministério da Defesa, disse que a escolha da empresa para o serviço se deu “pelo menor valor ofertado para a realização do serviço de perfuração do poço artesiano”. E que a empresa Cataratas Poços Artesianos “ofereceu, dentre os licitantes cotados, o menor valor e a habilitação técnica”. Segundo o Batalhão, “a análise documental do licitante vencedor foi feita com base nos documentos exigidos em lei”.
O órgão disse ainda que a “dispensa de licitação decorreu da necessidade, em caráter emergencial, de perfurar um poço dentro da área do 4º Pelotão Especial de Fronteira (4º PEF), a fim de apoiar o esforço do Comando Conjunto da Operação Yanomami e do Estado Brasileiro em atendimento à situação emergencial de saúde na Terra Indígena Yanomami, “tendo em vista que, devido ao aumento de pessoal empregado na operação, o poço existente não supria a necessidade do Pelotão, além desse encontrar-se em estado crítico devido ao tempo de uso e sua posição no terreno.” Atualmente, há 140 pessoas alojadas no Pelotão de Surucucu.
O Centro de Operações de Emergências Yanomami (COE) informou à reportagem que os poços vão fornecer água para novo Centro de Referência em Atendimento Indígena, que funcionará como extensão da Casa de Saúde Indígena (Casai), na TI Yanomami. Segundo o COE, o Centro vai reduzir a necessidade de transporte de pacientes para Boa Vista. A nota do COE não informa se os poços também vão ser utilizados pelos Yanomami da região onde eles serão construídos.
“Informamos que a empresa Catarata Poços Artesianos foi uma contratação realizada originalmente pelo 6º Batalhão de Engenharia de Construção (6º BEC), sediado em Boa Vista/RR, subordinado ao 2º Grupamento de Engenharia (2º Gpt E) do Comando Militar da Amazônia, uma vez que a empresa está em situação regular no Sistema de Cadastramento de Fornecedores e com toda a habilitação técnica”, diz nota do COE.
A Sesai divulgou nota com teor semelhante, dizendo que a obra será feita no Polo Base Surucuru e o objetivo é “otimizar o abastecimento da base para viabilizar o novo Centro de Referência para atendimento indígena que será inaugurado.”
Segundo a Sesai, a obra utilizará de uma perfuradora, necessária “em função da constituição geológica do terreno que é constituído por rochas sedimentares pré-cambrianas tão duras e impermeáveis quanto o granito.”
A Amazônia Real procurou o Ministério dos Povos Indígenas, o Ministério da Saúde e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas os órgãos não responderam até a publicação dessa reportagem. Os advogados de Rodrigo Cataratas não retornaram as ligações.
Texto: Felipe Medeiros/Amazônia Real