06/09/2023 às 07h49min - Atualizada em 06/09/2023 às 07h49min

Operações inutilizam mais de meio bilhão de reais em maquinário do garimpo ilegal na Amazônia.

Em média, oito equipamentos, como balsas e restroescavadeiras, foram apreendidos ou dettruídos por dia na Amazônia em 2023, segundo levantamento do Ibama.

- Fonte: O Globo
Em um grande cerco a garimpeiros e madeireiros ilegais na Amazônia (principalmente no Amazonas e em Roraima), agentes do Ibama apreenderam, nos primeiros oito meses deste ano, um total de 1.595 máquinas em operações de combate ao crime ambiental na região. Outros 402 equipamentos foram destruídos, seja por impossibilidade de removê-los do local ou por questões de segurança. Ao todo, 1.997 máquinas foram retiradas de operação, o que equivale a pelo menos oito equipamentos desativados por dia ao longo de 2023.

Os dados fazem parte de um balanço obtido pelo O GLOBO. Neste dia 5 de setembro, quando é celebrado o Dia da Amazônia, a incidência do crime organizado sobre a maior floresta tropical do mundo ainda preocupa, dado o nível alarmante do avanço nos últimos anos.

 
— Nunca se teve notícia de tanto garimpo ilegal na Amazônia como hoje, é verdade, mas também nunca se viu ações de combate a esses crimes como acontece neste momento — diz Jair Schmitt, diretor de proteção ambiental do Ibama. — Há outra postura no Ibama e órgãos de apoio, com mais enfrentamento, o que é resultado direto do apoio institucional que passamos a ter.

Os dados revelam a mudança de cenário. Durante o governo Jair Bolsonaro, a média de máquinas apreendidas durante operações de fiscalização na Amazônia Legal — área que corresponde a 59% do território brasileiro e que engloba a totalidade do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, além de parte do Maranhão — foi de 894 equipamentos por ano. Nos oito primeiros meses de 2023, o número é 78% maior do que a média observada no mesmo intervalo durante os quatro anos anteriores.

No caso das destruições, a média anual saltou de 148 máquinas entre 2019 e 2022 para 402 itens — um aumento de 171%. Bolsonaro criticou, em diversas ocasiões, mexer nas regras de apreensão e destruição de máquinas e chegou a demitir gestores do Ibama após agentes realizarem esse tipo de trabalho.

 
— É preciso lembrar, sempre, que a destruição de máquinas e equipamentos é medida prevista em lei e que isso só ocorre quando não há viabilidade logística ou segurança para remover esses equipamentos para fora da floresta — diz Schmitt.

De balsas a escavadeiras

Na prática, além de remover as estruturas do garimpo, as operações acabam por descapitalizar o crime. Na lista de equipamentos confiscados ou destruídos neste ano estão centenas de balsas com dragas usadas nos rios amazônicos e que custam, em média, R$ 500 mil. Nas dez principais operações realizadas pelo Ibama só neste ano, por exemplo, 95 retroescavadeiras foram apreendidas ou destruídas. São máquinas cujos valores de mercado também superam a marca de meio milhão de reais.

As estimativas do Ibama são de que os equipamentos retidos ou inviabilizados este ano já causaram um prejuízo operacional ao garimpo que ultrapassa, de forma conservadora, algo em torno de R$ 500 milhões. Além de mirar o aparato do crime do garimpo ilegal em unidades de conservação, as ações de fiscalização também retomaram as multas ambientais, uma área que passou quatro anos praticamente paralisada, durante a gestão de Bolsonaro e do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Número de autuações

Nos oito primeiros meses de 2023, o número de autuações chegou a 4.394 multas, o que significa um aumento de 151% sobre a média de 1.753 multas registradas no mesmo intervalo, entre 2019 e 2022. O valor total dessas infrações, consequentemente, também cresceu. Entre janeiro e agosto durante a gestão anterior, a média anual dessas autuações foi de R$ 1,081 bilhão — um valor que, na prática, não era recolhido, pois não havia cobrança. Entre janeiro e agosto deste ano, esse volume chegou a R$ 2,320 bilhões, o que representa aumento de 115%.

A fase de controle sobre criminalidade que vivemos hoje é um processo necessário e corretivo da governança ambiental brasileira. O abandono do controle sobre crimes ambientais gerou lucratividade ilícita, acompanhada por um sentimento de impunidade. Isso tudo levou ao maior índice de criminalidade ambiental organizada da nossa história — diz Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam). Resgatar a presença do Estado, afirma ele, representa efetivar a ação de mecanismos de controle por fiscalização integrada e inteligente na Amazônia.

— Os resultados iniciais estão apenas refletindo a retomada da ação estatal, mas será preciso ampliar os recursos humanos e logísticos da fiscalização do Ibama, em articulação com outros entes responsáveis, para reverter efetivamente o quadro de criminalidade ambiental instalado hoje.

Ações buscam defender terras indígenas

As ações de proteção da floresta têm se concentrado nos territórios mais cobiçados e vulneráveis a crime que explora a extração ilegal da madeireira e do garimpo dentro da Amazônia: as terras indígenas. O crime sabe onde está o ipê, conhece a rota do cedro, do angelim. É dentro das terras demarcadas dos povos originários que restou preservada a maior parte da madeira nobre e de minerais preciosos, como ouro, cassiterita e diamantes. Os dados mostram que, nas últimas décadas, os territórios protegidos dos indígenas funcionaram como um muro de contenção contra o crime. As invasões, no entanto, proliferam.

Na terra Yanomami, em Roraima, onde o crime organizado transformou a vida dos indígenas em crise humanitária, as ações de repreensão já destruíram, neste ano, nada menos que 323 acampamentos de garimpo e mais de 150 balsas, entre outros equipamentos, além da apreensão de milhares de litros de combustível. Os dados do Ministério da Justiça apontam que mais de R$ 2 bilhões em bens foram confiscados dentro do território demarcado. Até julho, segundo o Ministério dos Povos Indígenas, 82% dos garimpeiros que atuavam na terra dos Yanomami tinham sido expulsos da área.

A relevância das terras indígenas como espaço de proteção ambiental está evidenciada em estudo realizado pelo MapBiomas, que reúne diversas organizações civis. Entre 1985 e 2022, aponta a instituição, houve uma perda de 96 milhões de hectares de vegetação nativa no Brasil, uma área equivalente a 2,5 vezes a Alemanha. Somente na Amazônia, a área convertida para algum uso humano, como cidades ou atividades agropecuárias, foi de 52 milhões de hectares, território do tamanho da França. Ocorre que apenas 1% dessa perda de vegetação nativa ocorreu em terras indígenas.

As áreas demarcadas, que hoje têm seu futuro discutido no Congresso e no Supremo Tribunal Federal, ocupam 13% do território nacional, mas guardam 19% de toda vegetação nativa. — O modo como a gente usa o território é uma questão chave para o Brasil, para cumprir as suas metas climáticas, manter a segurança hídrica, a segurança energética e econômica — comenta Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas. — A forma como fazemos o manejo das áreas que estão em produção é vital.

Os dados apontam que o crescimento da agricultura nos últimos anos se deu, majoritariamente, sobre áreas de pastagem já abertas. Por outro lado, diz Azevedo, essas áreas estão avançando sobre áreas de vegetação nativa.

— A gente precisa fazer um esforço grande para usar da melhor maneira as áreas que já estão desmatadas, de forma mais eficiente, sem você precisar avançar sobre novas áreas, como tem acontecido hoje.

O avanço da agropecuária ocorreu em todos os biomas brasileiros, entre 1985 e 2022, com exceção da Mata Atlântica, que já é o bioma mais desmatado do país e onde dois terços de seu território são ocupados por atividades inalteradas nas últimas duas décadas. Na Amazônia, a área ocupada pelo agro saltou de 3% para 16%. No Pantanal, essa fatia saiu de 5% em 1985 para 15% em 2022. No Pampa, cresceu de 29% para 44%, enquanto, na Caatinga, saltou de 33% para 40%. No Cerrado, o agro já domina metade do bioma (50%) ante 34% em 1985.

Um olho na floresta, outro no Congresso

Temas cruciais para a preservação do meio ambiente tramitam, hoje, dentro do Congresso Nacional, e dependem diretamente de um equilíbrio de forças para garantir que aquilo que se busca defender sobre o chão úmido da floresta amazônica não caia por terra.

A especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, reconhece que houve avanços nos resultados que as operações de fiscalização têm apresentado, mas chama a atenção para o papel do governo federal em relação aos projetos em tramitação no Congresso, como a flexibilização do licenciamento ambiental, o marco temporal das terras indígenas e a liberação de mais agrotóxicos no país.

— No esforço de reconstrução da política ambiental, o governo intensificou muito a fiscalização. Os números do Ibama mostram multas, embargos, apreensões de instrumentos e produtos do crime. Essa intensificação tem gerado resultados, mas precisa ser acompanhada de uma atuação política do Executivo junto ao Congresso, para evitar retrocessos graves que estão prestes a serem votados e que influenciarão diretamente no controle ambiental — avalia Suely.

Ex-presidente do Ibama, ela menciona exemplos de riscos sobre a legislação ambiental. 

— A futura Lei Geral do Licenciamento, por exemplo, implode com o cuidado com impactos indiretos, qualificação que muitas vezes diz respeito ao desmatamento, e também colide com as regras que protegem territórios indígenas e Unidades de Conservação — afirma.

Outro exemplo, menciona a especialista, é o projeto que trata da aplicação do marco temporal aos territórios indígenas, que tramita no Senado e, paralelamente, é votado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. A tese, que não encontra amparo na Constituição Federal, pretende impor como critério de demarcação as ocupações que existiam no dia de promulgação da Carta Magna, 5 de outubro de 1988.

Dentro do Congresso, o projeto de lei que trata do assunto extrapola a questão das demarcações, para permitir a exploração de terras indígenas pelo agronegócio, além de permitir a construção de qualquer tipo de projeto de infraestrutura que o governo federal julgar relevante, sem poder de veto pelos indígenas.

— Além de pressionar o STF, firmando a tese do marco em 1988, a proposta que está no Congresso flexibiliza totalmente o uso desses territórios — diz Suely. — Se aprovada, gerará desmatamento e várias outras formas de degradação ambiental.

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