25/10/2023 às 12h51min - Atualizada em 25/10/2023 às 12h51min

Corte Interamericana de Direitos Humanos recebe relatos de abusos sexuais na Terra Yanomami em Roraima.

Juízes da Corte visitaram a região de Auaris, na Terra Yanomami, onde ouviram relatos de lideranças indígenas que vivem em comunidades impactadas por garimpos ilegais. Juízes de Corte Interamericana de Direitos Humanos visitam Terra Yanomami

- Fonte: Agência 3
Foto: Reprodução/Condisi-YY
Juízes da Corte Interamericana de Direito Humanos (CIDH) informaram nesta quarta-feira (25) que receberam relatos de abusos sexuais de mulheres e crianças praticados por garimpeiros na Terra Yanomami e devem cobrar do Estado brasileiro providências que garantam proteção aos indígenas. Além dos relatos de abusos sexuais, a Corte também ouviu depoimentos sobre violações à saúde e à vida dos indígenas, e avistou os pontos de garimpos abertos pelos invasores na floresta enquanto seguiam para o território com a intenção de apurar se o Brasil tem cumprido medidas de proteção aos povos.

Nessa terça-feira (24), os juízes foram até Auaris, região da Terra Yanomami na fronteira com a Venezuela, onde ouviram lideranças indígenas do povo Yanomami, Yekuana e também do povo Munduruku, no sudoeste do Pará – nos últimos anos, os dois territórios sofreram invasão de garimpeiros. A comitiva falou com a imprensa nesta quarta.

A Corte é órgão judicial autônomo responsável por aplicar e interpretar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O Brasil ratificou o Pacto em 1992 e reconheceu a competência obrigatória da Corte em 1998. Ou seja, o país é obrigado a cumprir as medidas solicitadas.

Durante a reunião com as lideranças, a juíza Nancy Hernández destacou que representantes das comunidades apresentaram “testemunhos, fotos, vídeos e informações sobre esses casos de violações sistemáticas às mulheres e crianças”.

“Ontem recebemos testemunhos de violação de mulheres e crianças por parte dos invasores dessas terras. Mulheres que se sentem ameaçadas e que têm medo de denunciar, e que está afetando profundamente a paz dessas comunidades. Também foi particularmente impactante receber informações sobre mortes de crianças por desnutrição e a grande quantidade de enfermidades que existem”, disse, em espanhol, a juíza Hernández.

Em 2022, um relatório da Hutukara Associação Yanomami (HAY) já denunciava que garimpeiros exigiam sexo com meninas e mulheres indígenas como moeda de troca por comida na Terra Yanomami. O documento também reuniu uma série de relatos sobre a violência sexual contra mulheres e crianças: “Os garimpeiros estupraram muito essas moças”, citava um dos depoimentos.

Participaram da reunião com os juízes lideranças que vivem nas comunidades Paapiu, Uxiu, Palimiu, Waikás, Kuratanha e Auaris, todas afetadas por garimpos ilegais. O encontro foi organizado pela HAYm por meio do xamã Yanoammi, Davi Kopenawa e Maurício Ye’kwana, diretor da Associação.

Para os relatos recebidos, a Corte pretende pressionar o estado brasileiro a intensificar as ações que protejam os indígenas que vivem nessas comunidades. A ação deve ser feita por meio do ato chamado de “outorga medidas provisórias”. De acordo com o vice-presidente, Eduardo Ferrer Mac-Grego, essas ações são para evitar que a situação se não se torne irremediável. 

Mac-Grego também informou que a Corte quer ouvir estado brasileiro para entender as atuações e ações realizadas desde janeiro de 2023, quando foi declarada a situação de emergência na saúde pública dentro do território Yanomami. “Estamos aqui, para estar perto e escutar os beneficiários dessas medidas que já foram outorgadas, [pedir] medidas provisórias de proteção para que o estado do Brasil possa tomar atitudes sobre esse assunto e para que logre proteção diante dessa situação”, afirmou.

A Corte IDH emite medidas provisórias em casos de extrema gravidade e urgência para evitar danos irreparáveis às pessoas. O órgão representa os países da Organização dos Estados Americanos (OEA). Ao g1, o vice-presidente explicou que, no momento, apenas essas medidas serão outorgadas, pois não se tratado de um caso litigioso e contencioso.

 

“[As medidas] são de caráter de extremamente gravidade e urgência. Eventualmente, pode se apresentar uma petição. Agora, somente viemos para atender as medidas provisórias que são vinculantes, logo ligadas ao estado do Brasil. Evidentemente, terão uma intervenção direta com as autoridades brasileiras para aumentar as providências”, afirmou Mac-Grego.

A CIDH acompanha a situação dos povos Yanomami e Munduruku desde maio de 2022, quando recebeu da Comissão Interamericana da Direitos Humanos um pedido para intervenção de medidas provisórias para proteger os direitos à vida dos indígenas devido a “situação de extrema gravidade e urgência de danos irreparáveis aos seus direitos no Brasil”.

Participaram da coletiva à imprensa o vice-presidente da Corte, Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot; a juíza Nancy Hernández López; a advogada da Corte, Rita Lamy, e o secretário-geral da Corte, Pablo Saavedra Alessandri. O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, também estava presente.

Maior território indígena do Brasil, a Terra Indígena Yanomami passa por uma grave crise humanitária e sanitária em que dezenas de adultos e crianças sofrem com desnutrição grave e malária. Desde o dia 20 de janeiro, a região está em emergência de saúde pública. Alvo há décadas de garimpeiros ilegais, o maior território indígena do Brasil enfrentou nos últimos o avanço desenfreado da atividade ilegal no território. Em 2022, a devastação chegou a 54% – cenário que tem mudado com as ações deflagradas desde janeiro deste ano.

A invasão do garimpo predatório, além de impactar no aumento de doenças no território, causa violência, conflitos armados e devasta o meio ambiente – com o aumento do desmatamento, poluição de rios devido ao uso do mercúrio, e prejuízos para a caça e a pesca, impactando nos recursos naturais essenciais à sobrevivência dos indígenas na floresta.

Desde janeiro deste ano, as Forças Armadas, órgãos federais e agências integram a força-tarefa do governo federal para proteção dos indígenas na região. A operação ocorre por meio de ações de patrulhamento, revista de pessoas, veículos terrestres, embarcações e aeronaves e de prisões em flagrante delito.


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