Nos últimos 10 anos a Guiana virou a “menina dos olhos” da indústria petrolífera mundial. As reservas de petróleo descobertas no país amazônico principalmente pela estadunidense ExxonMobil também se tornaram o exemplo para os defensores da exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas. Mais do que ter se tornado o novo “Eldorado” dos combustíveis fósseis no mundo, ao ponto de ser chamada de “a nova Dubai”, a Guiana confirma a regra da indústria de petróleo e gás fóssil. O PIB do país, um dos mais pobres do planeta, cresceu bastante com a expansão da produção petrolífera. Assim como também avançou a desigualdade social.
Os detalhes desta nova realidade para a Guiana são apresentados na 3ª reportagem da série “Até a última gota”, da InfoAmazonia, que mostra como a ExxonMobil aumentou seu controle sobre o país, com prejuízos socioambientais cada vez maiores. Antes, a série mostrou que a Amazônia se tornou a maior fronteira exploratória de petróleo no planeta nos últimos dois anos e que, no Brasil, petroleiras se aproveitam de brechas legais para manter áreas exploratórias na foz do Amazonas e em outras bacias amazônicas mesmo após o fim do prazo contratual.
Na Guiana, as denúncias indicam que a petroleira desrespeitou licenças ambientais para aumentar a produção e os lucros nos três campos ativos no bloco Stabroek, onde explora petróleo e gás fóssil desde 2015: Liza (Fase 1 e 2) e Payara. Juntas, essas áreas produzem 650 mil barris por dia. Com outros três campos já aprovados, a estimativa é chegar a 1,3 milhão de barris/dia em 2027. A investigação da InfoAmazonia, que esteve na Guiana em novembro de 2024, mostra que o governo tem flexibilizado normas ambientais, firmado contratos que favorecem as petroleiras e apoiado essas companhias em disputas judiciais.
“Nossas instituições foram capturadas pelos interesses estrangeiros. A Exxon não é a única, mas com certeza é a mais flagrante”, disse a ambientalista Sherlina Nageer, fundadora do Greenheart Movement, iniciativa que defende alternativas ao setor petrolífereo, e uma das principais vozes contrárias à exploração de combustíveis fósseis no país amazônico.
Entre as práticas da ExxonMobil questionadas por ambientalistas e pela Justiça está o gas flaring – queima de gás fóssil derivado da extração de petróleo. Um processo que libera grandes quantidades de dióxido de carbono e deixa escapar bastante metano, cujo efeito esteto é 80 vezes maior que o do CO₂.
A partir de dados da SkyTruth, plataforma que monitora via satélite atividades prejudiciais ao meio ambiente, o Instituto Arayara calculou o impacto dessas ocorrências. Entre 2019 e 2023, a petroleira queimou 687 milhões de m3 de gás fóssil na Guiana, liberando 1,32 milhão de toneladas de CO₂ na atmosfera. O volume equivale às emissões anuais de 287 mil carros e posiciona o país como o 2º maior emissor de GEE por flaring na Amazônia, atrás apenas do Equador.
Há problemas também no acordo entre a Exxon e o governo guianense, que foi negociado a portas fechadas em 2016 e permaneceu em sigilo até 2017. O contrato estabelece que até 75% da receita bruta mensal da produção pague os custos das empresas. O que sobra é dividido igualmente entre o governo e o consórcio, resultando em 12,5% da receita para a Guiana. Os royalties serão de apenas 2%. No Brasil, a alíquota pode chegar a 15%, enquanto nos Estados Unidos a taxa foi recentemente atualizada para mais de 16%.
Enquanto isso, moradores de comunidades costeiras e indígenas no entorno da capital, Georgetown, estão divididos e apreensivos. Pescadores relatam que a extração de petróleo trouxe uma série de desafios à atividade. Citam que o intenso tráfego de navios e a vibração causada pelas operações em alto mar afastam os cardumes, enquanto a entrada massiva de peixe importado com a chegada de mais estrangeiros, oferecido a preços muito baixos, intensificou a concorrência desleal e reduziu a demanda pelo pescado local.