O que é a Milícia Nacional Bolivariana, que Maduro convocou em resposta ao envio de navios dos EUA

Líder venezuelano anunciou mobilização de contingente de 4,5 milhões de pessoas, número apontado como irreal por especialistas

- Fonte: O Globo
21/08/2025 07h39 - Atualizado há 1 dia
O que é a Milícia Nacional Bolivariana, que Maduro convocou em resposta ao envio de navios dos EUA
Integrantes da milícia bolivariana durante desfile nas ruas do bairro de Guarataro, em Caracas — Foto: Pedro Mattey/AFP

O líder venezuelano, Nicolás Maduro, anunciou na segunda-feira a mobilização de um contingente de 4,5 milhões de homens da Milícia Nacional Bolivariana — um braço armado formado por voluntários, reservistas e civis, integrado às Forças Armadas —, em resposta ao envio de navios de guerra dos EUA em direção ao litoral do país, em uma ação que Washington afirma ser de combate ao tráfico de drogas na região. Em meio à escalada de tensões entre o governo americano e Caracas, a ativação da milícia — e o número de pessoas supostamente mobilizadas — levantou dúvidas sobre o real alcance do corpo armado.

Especialistas em política e defesa venezuelana questionam a real dimensão da milícia, que sob a liderança de Maduro foi incorporada como um quinto componente das Forças Armadas, em 2020. Caso o anúncio oficial corresponda à realidade, a mobilização alcançará quase 16% da população venezuelana, que segundo o Banco Mundial era de 28,41 milhões em 2024 — o que estudiosos apontam como improvável.

— A Venezuela não tem hoje a logística necessária para uma mobilização [dessa proporção] — afirmou ao GLOBO o professor Ricardo Salvador De Toma, doutor em Estudos Estratégicos Internacionais. — A situação é tão crítica que em alguns quartéis, soldados do serviço ativo não comparecem mais de três vezes por semana, porque não tem "rancho" [refeições]. Convocar quatro milhões de pessoas para uma milícia implica em alimentar essa quantidade de pessoas, o que não se tem como fazer.

Os gargalos logísticos foram apontados pelo professor como principal indício de que a mobilização anunciada por Maduro se trata de um recurso retórico. Toma diz que recursos básicos como pneus, combustível, armas e munições estão em falta no país sul-americano, o que torna inviável a instauração de uma tática de resistência revolucionária.

— A Venezuela tinha tradicionalmente como fuzil das Forças Armadas o FAL, de fabricação belga, mas substituiu pelo russo AK-103. Só que tem um grande detalhe: não existe fabricação de munição de AK-103 na Venezuela — acrescentou. — Se você totalizar o número de fuzis FAL e AK, dificilmente superará 400 mil unidades.

Imagem divulgada no site da Milícia Nacional Bolivariana mostra integrantes durante reunião — Foto: Milícia Nacional Bolivariana/Reprodução
Imagem divulgada no site da Milícia Nacional Bolivariana mostra integrantes durante reunião — Foto: Milícia Nacional Bolivariana/Reprodução
Imagem divulgada no site da Milícia Nacional Bolivariana mostra integrantes durante reunião — Foto: Milícia Nacional Bolivariana/Reprodução

A origem da Milícia Nacional Bolivariana remete ao ano de 2005, quando o então presidente Hugo Chávez, por meio de decreto, criou o Comando Geral da Reserva Militar e Mobilização Nacional — que foi rebatizada com o nome atual em 2009. Após a morte de Chávez, em 2013, o grupo ganhou um papel mais relevante como parte da estratégia interna de defesa com Maduro, passando por uma ampliação e intensificando o recrutamento durante a crise política e social na segunda metade dos anos 2010, sendo finalmente incorporada como um braço militar em 2020.

Comandada pelo general Orlando Ramón Romero Bolívar, militar alvo de sanções americanas, a milícia não tem apenas funções militares. Seus integrantes, alguns deles idosos aposentados, participam de ações de controle territorial, salvaguarda de programas sociais, apoio de distribuição de alimentos em comunidades e já foi acionada para acompanhar processos eleitorais. Contudo, há membros treinados para usar sistemas antiaéreos, como o Igla-S e o S-125 Pechora.

A informação mais imprecisa é sobre a quantidade de pessoas disponíveis para servir — sobretudo a parte delas pronta para operar. Dados oficiais publicados pelo governo apontam que o número de milicianos subiu de 3,3 milhões, em 2019, para 4,5 milhões em 2022. O site venezuelano TalCual estimou que 700 mil estariam ativos com fuzis em punho. A CIA, agência de inteligência americana, calcula que haja entre 200 mil e 225 mil combatentes ativos.

— Maduro não pode falar de 4,5 milhões de milicianos quando sabe que perdeu as últimas eleições por mais de 80% dos votos — afirmou o cientista político venezuelano Luis Nunes, em entrevista ao jornal peruano El Comercio, classificando o anúncio como "uma piada" e "uma cortina de fumaça". — No máximo, eles terão algumas centenas de defensores do chavismo, assalariados, muitos deles idosos com rifles até de madeira.

O número anunciado por Maduro não é de todo aleatório, de acordo com o professor De Toma. Ele afirmou que o há uma campanha de pressão sobre funcionários públicos, para que se alistem como integrantes da milícia, a fim de inflar o número geral.

— O regime de Maduro está tentando obrigar a todos os funcionários públicos do país a se reportar e assinar uma planilha para serem circunscritos nas milícias. Essas planilhas estão circulando abertamente e, por coação, as pessoas são impelidas a assinar e enviar a seus superiores imediatos, para continuarem a ser empregados públicos. É daí que surge o número mágico de 4,5 milhões de pessoas — disse. (Com El Comercio e El Tiempo)


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