O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou na quarta-feira (15) que autorizou operações secretas da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) na Venezuela e disse estudar ataques terrestres contra cartéis de drogas. O movimento representa mais uma ação do governo norte-americano contra o regime de Nicolás Maduro.
▶️ Contexto: As tensões entre Venezuela e Estados Unidos começaram a se intensificar em agosto, quando Washington anunciou o envio de navios e aeronaves militares para o sul do Caribe.
Desde setembro, autoridades da Casa Branca ouvidas pela imprensa norte-americana vêm afirmando que os EUA estudavam a possibilidade de um ataque contra a Venezuela. Segundo o jornal “The New York Times”, o objetivo final de toda essa movimentação seria tirar Maduro do poder.
O que até então circulava apenas nos bastidores — e era tratado como hipótese por especialistas — começou a ganhar traços de realidade durante uma entrevista coletiva do presidente na Casa Branca, nesta terça-feira (14).
Trump não quis responder se agentes de inteligência receberam autorização para matar Maduro. Por outro lado, o “New York Times” afirmou que “operações letais” também estão no radar e que as ações secretas podem mirar o líder venezuelano e seu governo.
Segundo o jornal, não está claro se a CIA já tem um plano traçado, se as operações de fato ocorrerão ou quando serão colocadas em prática. O que se sabe, até o momento, é que Trump autorizou que a agência aja contra a Venezuela por questões de segurança nacional.
O que está por trás?
Imagem mostra o presidente dos EUA, Donald Trump (E), em Washington, DC, em 9 de julho de 2025, e o presidente venezuelano, Nicolás Maduro (D), em Caracas, em 31 de julho de 2024. — Foto: AFP/Jim Watson
Maurício Santoro, doutor em Ciência Política pelo Iuperj e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil, acredita que os movimentos dos EUA são, provavelmente, uma ação político-militar para tentar derrubar o governo de Nicolás Maduro.
Especialistas apontam que o acesso ao petróleo e às riquezas minerais da Venezuela também estaria no radar. Dados do Relatório Mundial de Energia de 2025 indicam que a Venezuela continua sendo o país com as maiores reservas de petróleo do mundo, com 302,3 bilhões de barris.
🔍 Santoro destaca que o aumento da concentração de tropas americanas no Caribe e o anúncio envolvendo a CIA indicam que os EUA podem estar se preparando para uma grande operação militar na Venezuela. Ele levanta algumas possibilidades, como:
“O que os americanos estão planejando ainda não está claro, mas, sem dúvida, estamos na iminência de um ataque de larga escala. E, se isso acontecer, será a primeira vez que os Estados Unidos atacam militarmente um país da América do Sul.”
Embora a movimentação militar seja grande, Santoro acredita que ela ainda não é suficiente para invadir e ocupar um país de grande dimensão como a Venezuela.
Segundo Santoro, para convencer a opinião pública da necessidade da operação, o governo Trump aposta na narrativa de que existe uma organização criminosa a ser combatida. Ao mesmo tempo, a Casa Branca tem usado uma linguagem mais ligada à segurança pública do que à guerra.
“Esse é o tipo de linguagem usada quando você não planeja nenhum tipo de acordo. O governo americano tem dito que as autoridades da Venezuela são ilegítimas. Muitas vezes, o governo Trump se refere a Maduro como narcoterrorista”, afirmou.
“Hoje, o termo genérico ‘Cartel de los Soles’ mascara o fato de que o eixo Estado-tráfico de drogas é menos uma rede administrada pelos militares e políticos chavistas e mais um sistema que eles regulam”, diz o InSight Crime, fundação que estuda o crime organizado nas Américas.
🛑 Apesar da escalada recente, as relações entre EUA e Venezuela vêm se deteriorando há anos. Washington impôs sanções econômicas ao país, citando violações de direitos humanos e corrupção, além de não reconhecer o governo de Maduro como legítimo.
Sobrevoo de bombardeiros
Imagem de arquivo mostra um avião bombardeiro B-52 da Força Aérea dos Estados Unidos decolando da base aérea em Gloucestershire, Inglaterra — Foto: REUTERS/DarrenStaples/Files
Na quarta-feira, três bombardeiros B-52 fizeram um voo em uma região muito próxima da Venezuela.
✈️ O B-52 é um modelo fabricado pela Boeing, com capacidade para ataque nuclear. O avião carrega armas de alta precisão e pode voar por mais de 14 mil quilômetros sem reabastecer. É considerado a espinha dorsal da força de bombardeiros estratégicos dos Estados Unidos.
Para Santoro, a manobra com os bombardeiros representa uma provocação à Venezuela, em uma tentativa dos EUA de mostrar que estão muito próximos do território do país.
“É uma provocação política, para dizer: ‘olha, eu tenho capacidade de invadir o teu espaço aéreo’. Mas tem também um objetivo militar, de treinar as tripulações. Quer dizer, isso é um ensaio geral para futuros bombardeios e um teste das defesas aéreas venezuelanas”, avaliou.
Imagens do FlightRadar mostraram que a rota traçada pelos aviões lembrava um desenho obsceno. O professor acredita que isso não foi feito por acaso. Para ele, faz parte de uma estratégia de guerra psicológica.
Maduro reage
Em discurso na noite de quarta-feira, Nicolás Maduro criticou o que chamou de “golpes de Estado da CIA” após o anúncio de Trump sobre as operações secretas. O presidente venezuelano afirmou que a população rejeita qualquer tentativa de intervenção no país.
“Chega de golpe da CIA. Não à mudança de regime, que tanto nos lembra das guerras eternas e fracassadas no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e assim por diante”, afirmou.
Maduro também criticou opositores que estão fora do país e que, segundo ele, convocam os Estados Unidos a atacarem a Venezuela. Ele também criticou o que classificou como ameaças dos EUA e guerra psicológica.
Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores da Venezuela classificou como "belicistas e extravagantes" as falas de Trump sobre o país. O governo afirmou ainda que os norte-americanos estão adotando políticas de "agressão, ameaça e assédio".
"É evidente que tais manobras buscam legitimar uma operação de 'mudança de regime' com o objetivo final de se apropriar dos recursos petrolíferos venezuelanos", diz a nota.
Segundo o “New York Times”, Maduro chegou a oferecer a Trump petróleo e minerais venezuelanos para tentar reverter a movimentação americana. A oferta foi rejeitada, e os Estados Unidos fecharam a porta diplomática para a Venezuela.
Operações no Caribe
Desde setembro, os Estados Unidos vêm bombardeando barcos que, segundo o governo, pertencem a organizações narcoterroristas envolvidas no transporte de drogas para o território norte-americano.
O bombardeio mais recente foi autorizado na terça-feira, quando militares atingiram um barco em águas internacionais próximas à costa da Venezuela. Seis pessoas morreram, segundo Trump.
"A inteligência confirmou que a embarcação estava traficando narcóticos, estava associada a redes ilícitas de narcoterrorismo e transitava por uma rota conhecida de organização terrorista", publicou o presidente em uma rede social.
Na quarta-feira, o presidente americano disse que os cartéis de drogas têm barcos muito ágeis, mas afirmou que os mísseis dos Estados Unidos são mais rápidos.
Esses tipos de operações têm sido alvo de críticas de entidades internacionais. A Human Rights Watch afirmou que os bombardeios violam a lei internacional por se tratar de "execuções extrajudiciais ilegais".
O tema também foi discutido na semana passada no Conselho de Segurança da ONU, que levantou preocupações sobre a execução de civis sem julgamento, além da possibilidade de uma escalada militar na região.
Já o governo da Venezuela pediu para que a comunidade internacional investigue os ataques, afirmando que as vítimas — que os EUA alegam ser narcotraficantes — eram apenas pescadores.