Maduro: 'Crise com Brasil é página virada, e Trump é oportunidade para a Venezuela'
Líder venezuelano disse que seu papel e o de Lula é priorizar as relações entre Caracas e Brasília
- Conteúdo: Opera Mundi (Publicado em Uol)
28/01/2025 06h47 - Atualizado há 1 dia
O presidente venezuelano Nicolás Maduro afirmou que, apesar das diferenças entre os ministérios das Relações Exteriores de Brasil e Venezuela, ambos os países estão comprometidos a superar essas divergências e fortalecer suas relações bilaterais. A fala de Maduro ocorreu durante a entrevista exclusiva que o líder venezuelano concedeu ao fundador de Opera Mundi, Breno Altman, numa edição especial do programa 20 MINUTOS:
Para o mandatário, que iniciou seu terceiro mandado no dia 10 de janeiro deste ano, o papel dele e do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva é de se “entenderem pelos nossos países e virar a página”. “(Devemos) ver o novo cenário da geopolítica mundial, a situação da Nossa América e priorizar as relações entre o Brasil e a Venezuela, relações pacíficas, de cooperação, de irmandade, de progresso econômico”, disse.
Sobre o Brasil, Maduro voltou a afirmar que “não houve crise, não há crise, nem haverá crise” entre Caracas e Brasília, apontando que a “única maneira” para que a relação mantenha um vínculo é através do “entendimento pela América Latina, pelo Caribe, pela paz e pelo desenvolvimento dos nossos países”.
O governo Lula não reconheceu a vitória de Maduro na eleição presidencial de 28 de julho, mas enviou uma representação diplomática à sua posse. Além disso, o Brasil vetou a entrada de Caracas ao BRICS, culminando em um acirramento da relação entre os países. Maduro avalia que é necessário “olhar para o futuro” e que aconteçam avanços no “reconhecimento daquilo que já é uma realidade, que a Venezuela pertence ao BRICS”.
Veja trechos da entrevista de Breno Altman com Nicolás Maduro (para assistir a entrevista, clique aqui):
Presidente Nicolás Maduro, queria começar nossa entrevista com uma pergunta que está na cabeça de muita gente. Alguns governos estrangeiros, como o dos Estados Unidos, não reconheceram sua vitória no dia 28 de julho, chegando até mesmo a anunciar que reconheciam Edmundo González como presidente eleito. O senhor considera que sua posse em 10 de janeiro e o enfraquecimento da extrema direita vão pôr fim a esta controvérsia?
Nicolás Maduro: o enfraquecimento e a derrota da extrema direita fascista na Venezuela, que intoxicou e contaminou a direita e a centro-direita em toda a América Latina e o Caribe durante mais de 20 anos, é a expressão de que tudo o que fizeram com eles nas redes, na mídia, toda a operação em torno dessa candidatura foi uma operação orquestrada pelo governo dos Estados Unidos que acabou de sair, que se aproveitou das negociações com a diplomacia do engano , a diplomacia da cenoura, e não falou com clareza nem seriedade.
Na verdade, todos os acordos que fizemos foram totalmente violados e desrespeitados por eles, nunca foram cumpridos, apenas serviram de pretexto para preparar mais uma vez o terreno para a desestabilização da Venezuela. Conseguimos consolidar, depois de 2017, um processo de paz e de estabilidade política. Em 2017 e 2018, sofremos um bombardeio de mísseis, de sanções, que nos causaram grandes prejuízos econômicos.
Então, em 2019, o governo da época, os funcionários da época: John Bolton, Mike Pence, John Kelly, Mike Pompeo, elaboraram o projeto Guaidó e convenceram o presidente na época, Donald Trump, de que era muito fácil nomear e reconhecer um presidente chamado Guaidó, que ninguém conhecia, e que isso implicaria imediatamente na tomada da Venezuela, um golpe de Estado internacional. Conseguimos denunciá-lo, enfrentá-lo, derrotá-lo e, em meio a essa luta, conseguimos recuperar a sociedade e a economia.
Em meio a essa estabilidade duramente conquistada, com nosso próprio esforço, o governo de Joe Biden perdeu, infelizmente, uma oportunidade de ouro de se entender conosco, de respeitar os acordos conversados e assinados, e concebeu um Guaidó 2.0, como ele é chamado, Guaidó parte 2, que acabou tendo um fim muito ruim, Guaidó parte 2 acabou tendo um fim muito ruim. Portanto, eles já sabiam a jogada há muito tempo, fizeram de tudo.
Aqui na Venezuela, foram investidos nada menos que um bilhão de dólares pela oligarquia, chamada de oligarquia tecnológica, donos das grandes redes, todas as redes se voltaram contra nós: Facebook, Instagram, X, antigo Twitter; TikTok, e criaram uma situação nacional e internacional que acreditavam ser infalível.
Sofremos isso no dia 28 de julho, algo que eu denunciei imediatamente, no dia 29 de julho, como o primeiro golpe ciberfascista da história moderna da América Latina, e poderia dizer da humanidade, o derrotamos em 48 horas, e fomos consolidando a vitória.
O país está em paz, as instituições estão funcionando, os cinco poderes públicos estão funcionando, a economia está crescendo, se recuperando. E a grande maioria dos venezuelanos, como mostram todas as pesquisas, mais de 80% repudia essas tentativas de golpe, 80% dos venezuelanos querem virar a página dessa desestabilização e que se siga um rumo seguro de crescimento, recuperação e respeito pela Venezuela.
Presidente, o que o senhor responde aos que afirmam que houve fraude no dia 28 de julho?
Isso não é a primeira vez, não há nada de novo. Temos sido acusados, desde o início da Revolução Bolivariana, de algo impossível de fazer, a Venezuela construiu um sistema eleitoral absolutamente auditável.
Digam-me, em que parte do mundo existe um sistema eleitoral que é auditado 15 vezes? Foram 15 auditorias! Antes, durante e depois do processo, só na Venezuela.
Portanto, simplesmente, nosso povo sabe, as instituições sabem, o Supremo Tribunal de Justiça fez uma avaliação tremenda do processo e ficou demonstrado, tal como nas 31 eleições anteriores que realizamos – realizámos 31 eleições em 25 anos, um recorde mundial – ficou demonstrado, tal como nas 31 eleições anteriores, que se trata de um processo em que prevaleceu a soberania popular.
O governo do presidente Lula, do meu país, o Brasil, também não reconheceu sua vitória em 28 de julho, mas enviou uma representação diplomática à sua posse. Considera que a crise com o Brasil pode ser ultrapassada a curto prazo?
Maduro: Com o Brasil não houve crise, não há crise, nem haverá crise. Há simplesmente diferenças entre os ministérios das Relações Exteriores, diferenças com assessores; de lá, de cá. E, bom, a obrigação do presidente Lula e do presidente Nicolás Maduro é se entenderem pelos nossos países, virar a página, ver o novo cenário da geopolítica mundial, a situação da Nossa América e priorizar as relações entre o Brasil e a Venezuela, relações pacíficas, de cooperação, de irmandade, de progresso econômico.
Se você soubesse quantos investidores do Brasil estão chegando à Venezuela, no ramo de petróleo, gás, petroquímica, energia e turismo. Temos este caminho traçado e se há diferenças de opinião, a única forma é falar, se comunicar. Nosso ministro das Relações Exteriores está em comunicação constante e fluida com o ministro das Relações Exteriores Mauro (Vieira). A única maneira, o único caminho que temos é o do entendimento, pela América Latina, pelo Caribe, pela paz e pelo desenvolvimento dos nossos países.
Presidente, o que a mudança de governo nos Estados Unidos, do democrata Joe Biden para o republicano Donald Trump, significa para a Venezuela? O senhor acha que o novo presidente vai repetir a política agressiva do seu primeiro mandato, de 2017 a 2021, quando chegou a ameaçar a Venezuela com agressão militar?
Maduro: Você pergunta: o que é que isso significa para a Venezuela? Eu te respondo que para a Venezuela significa uma oportunidade de abrir as portas a um novo tipo de relação em que todos ganham. Isso é o que significa para nós.
E para o mundo?
Maduro:Para o mundo, significa grandes mudanças que estão em pleno andamento, e certamente veremos turbulências, problemas, mas também o reconhecimento de que já existe um mundo multicêntrico, pluripolar, e que o mundo multicêntrico pluripolar prevalecerá, e esperamos que se cumpra o que o presidente Trump ofereceu: que haja paz, que não haja mais guerra, que acabe a guerra e que todas as outras questões sejam resolvidas através da diplomacia e da paz.
Há setores da esquerda que o criticam por adotar medidas liberais na economia. Como responde a esse tipo de crítica?
Maduro: Bom, eu teria que ouvir as críticas, porque depois de uma guerra econômica que ainda se mantém, depois de um bloqueio que se mantém, você tem que ver, se você produziu ou não produziu, porque muitas pessoas criticam, eu ouço todas, estudo todas e se encontro alguma razão, alguma crítica, na prática, na ação, eu dou a razão e faço a retificação. Mas nós tivemos o cuidado de construir o nosso próprio plano econômico e posso dizer com orgulho, como disse no dia 10 de janeiro quando tomei posse, que o nosso pensamento econômico nesta fase é Made in Venezuela, é nosso, aqui nós não aplicamos políticas nem do Fundo Monetário Internacional nem do Banco Mundial, não temos nada a ver com o neoliberalismo, nem com o do fascista do Milei, nem o neoliberalismo ao estilo do Fundo Monetário.
Aqui na Venezuela tudo o que se faz é feito em diálogo nacional, temos grandes consensos em matéria econômica e podemos ter o orgulho de haver construído, no meio da mais terrível guerra econômica que foi feita contra nós, desde dentro e desde fora, no meio de sanções econômicas que nos fizeram perder 99% da nossa renda, construímos o nosso próprio caminho com pensamento próprio. Assim, não nos subestimem mais, alguma capacidade tivemos. Deveriam dar um Prêmio Nobel da Economia ao povo da Venezuela.