O vice-procurador geral eleitoral Alexandre Espinosa Bravo Barbosa emitiu parecer favorável a terceira cassação do mandato do governador Antonio Denarium (PP) por abuso de poder econômico e político, crimes cometidos nas eleições de 2022. A decisão assinada que nega provimento aos recursos de Denarium foi publicada na edição desta segunda-feira (27) no Diário Eletrônico da Procuradoria Geral da República.
A ação proposta pelo MDB – Movimento Democrático Brasileiro, aponta uma sequência de concutas vedadas nas eleições de 2022, capazes de alterar o resultado final. Tais como:
Criação e execução do programa social “Cesta da Família” em ano eleitoral, com atendimento de 50.000 (cinquenta mil) beneficiários.
Execução do programa social “Morar Melhor”, sem autorização legal, em ano eleitoral.
Transferências voluntárias de recursos estaduais a municípios, em período vedado, que totalizaram R$ 70.000.000,00 (setenta milhões de reais).
Desvirtuamento de publicidade institucional, com promoção pessoal do governador, que também teria divulgado material produzido pela Administração Pública em seus perfis pessoais em redes sociais.
Todos esses gastos foram realizados sem a devida previsão orçamentária para 2022.
No parecer, o procurador se manifestou pelo "não conhecimento" dos recursos apresentados pela defesa do governador de Roraima e entendeu que Denarium cometeu crime eleitoral. Por isso, para ele há a necessidade de correção quanto à conclusão do julgamento, cassando o mandato, aplicando multa e "determinando a realização de novas eleições".
Segundo o procurador partir da fusão de dois programas, sem caráter continuado, em ano eleitoral, criando um programa de caráter permanente de transferência direta de renda completamente novo, tem-se a plena adequação à conduta vedada do dispositivo mencionado.
“Funde-se o programa “Renda Cidadã”, de caráter permanente, e o “Cesta da Família”, de caráter eventual, criando um terceiro projeto de natureza permanente, o Programa “Cesta da Família”, com crescimento significativo do número de beneficiários em relação aos seus predecessores e aumento de valores despendidos. Nesse contexto, os representados tentaram dar aparência de legalidade à permanência de um programa que, por essência, deveria ser eventual, ao enquadrá-lo em outro duradouro, mas de natureza diversa, o que acabou ocasionando a criação de um terceiro, bem diferente dos dois primeiros, no ano da eleição, sem justificativa objetiva ou requisitos para adequação, apesar dos esforços argumentativo dos recorrentes no sentido de demonstrar que o programa na verdade é uma continuidade, não é o que a documentação acostada aos autos comprova. Não se trata apenas de alteração de nome do programa ou de sua fonte de custeio, mas sim de usar um programa que tinha caráter eventual transportando seus beneficiários, que igualmente deveriam ser eventuais, para um programa novo, criado em ano eleitoral. Não se questiona, ainda, a grave crise humanitária e econômica que assola o Estado de Roraima, mas é por tal razão e prevendo situações excepcionais, que a legislação admitiu essa fundamentação legal para programas assistenciais, o que não ocorreu na presente situação. A criação de um programa novo trouxe impactos significativos na rubrica “FORTALECIMENTO DA POLÍTICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL” do orçamento da SETRABES/RR em 2022, em relação aos anos anteriores, como pode se inferir comparando os documentos constantes ao Id. 6106102, portanto, não se pode conceber que o novo Programa “Cesta da Família” é apenas uma repaginada do antigo “Renda Cidadã”, tamanha a discrepância entre suas características, é sim um programa social novo, instituído por uma lei de 2022, o que é expressamente vedado pela Lei de Eleições. Destaca-se, ainda, o fato de se ter usado um programa temporário, fundido com um permanente, fazendo mudar o atendimento de 10.000,00 famílias para o atendimento, sem critérios objetivos, de 50.000 famílias em ano eleitoral”.
Segundo o procurador diferente do que afirma o governador, o reconhecimento do abuso de poder não se deu, exclusivamente, pela ampliação do programa social em ano eleitoral, o que, por si só, não se mostra suficiente para caracterização do ilícito, mas, sim, pela constatação, pelo Tribunal de origem, de que houve esquema ilegal de concessão de benefícios, por meio do qual a Secretaria de Ação Social do município, com o apoio do Chefe do Executivo local na ocasião, se utilizou de subterfúgios para distorcer a norma municipal, escapar do controle dos órgãos de fiscalização e alcançar o maior número de famílias com intuito nitidamente eleitoreiro
“Ficou demonstrado o desvio de finalidade política do programa social em favor da candidatura dos pré–candidatos ao Executivo local apoiados pelo agravante, bem como de que os fatos são graves e suficientes para afetar a igualdade de oportunidades dos concorrentes, gerando desequilíbrio na disputa eleitoral”, diz Alexandre
O procurador escreve que a tese defensiva de situação de calamidade em decorrência de crise econômica e crise sanitária pelo COVID-19, não tem o condão de retirar a vedação da conduta, porque o país e o mundo atravessam uma pandemia desde o início do ano de 2020, situação esta que levou os Poderes a decretarem estado de calamidade pública, seja no âmbito nacional, seja na esfera estadual e na municipal.
VEJA ABAIXO PARTES DOS ARGUMENTOS DO PROCURADOR
“Nesse panorama, urge destacar que, na sociedade, as ações assistencialistas geram um sentido profundo de gratidão entre parcela que delas usufrui e o gestor público, pois representam um alento para a privação de bens e serviços a que são submetidos diariamente, em especial no contexto de pandemia ao qual o mundo vivencia. Porém, ainda que presente tal circunstância extraordinária, em hipótese alguma é permitido o uso de programa assistencial como subterfúgio para promoção política pessoal, desvirtuando a finalidade estritamente assistencial. A escolha das sanções, conforme iterativa jurisprudência desse Tribunal Superior, é informada pela gravidade específica dos fatos. Para tanto, importa trazer a debate os aspectos quantitativos e qualitativos das condutas a eles imputadas, de sorte a formular juízo proporcional em relação às hipóteses sancionadoras. O Tribunal Superior Eleitoral adota o entendimento de que “nem toda conduta vedada acarreta, de modo automático e objetivo, a perda do diploma, cabendo à Justiça Eleitoral exercer juízo de proporcionalidade entre o ilícito perpetrado e a sanção a ser imposta”.
“No caso vertente, a lesividade não é de ínfima extensão. Pelo contrário, houve intenso e reiterado uso promocional de programa social novo que entregava dinheiro (cartão de crédito) para uso livre de uma quantidade significativa de pessoas (50.000,00 famílias), eleitores em pleno ano eleitoral, havendo um claro e evidente desequilíbrio na competição eleitoral. Sobre a execução do programa social “Morar Melhor”, sem autorização legal, em ano eleitoral Também não merece reparo o reconhecimento da prática da conduta vedada prevista no art. 73, §10, da Lei nº 9.504/97 para o programa “Morar Melhor”, criado pela gestão do então governador reeleito e recorrente ANTÔNIO DENARIUM. No caso em exame, o conjunto probatório demonstrou que, efetivamente, o programa denominado “Morar Melhor”, executado pela CODESAIMA, não estava autorizado por lei específica para fins de execução no ano eleitoral de 2022. Tanto é certo que, consoante os documentos de comprovação juntados aos autos consistente no Projeto de Lei nº 08/2023 (Id. 6235425), encaminhado pelo Governo do Estado de Roraima à ALE-RR, em janeiro de 2023, projeto que tem por finalidade instituir o “Programa Estadual de Habitação Aqui Tem Morar Melhor e a Política Estadual de Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social”, o projeto assistencialista não possuía regulamentação específica, sendo projetada a sua criação somente para após o ano eleitoral de 2022”.
“Verifica-se que os recorrentes mais uma vez tentaram dar aparência de legalidade à permanência de um programa que, por essência, não estava sendo executado em ano anterior ao pleito, tendo sido executado no ano da eleição, sem justificativa objetiva ou requisitos para sua adequação. Destaca-se, aliás, que, a despeito das declarações das testemunhas que informaram a ausência de exigência do título de eleitor no ato do cadastro ou a falta de menção à questões políticas eleitorais naquela oportunidade, no depoimento de Sônia Maria Oliveira de Cerqueira, é possível identificar, por duas vezes, o questionamento sobre a continuidade do programa, onde teria sido informada que “se o governo ganhasse, iria continuar”. Embora as demais testemunhas tenham afirmado que não havia caráter eleitoral na promoção e execução do programa, o que se entende pois é um questionamento muito subjetivo a depender do julgamento pessoal da pessoa questionada, é possível extrair objetivamente do depoimento da testemunha Vilma Pereira Cunha que havia o entendimento implícito na beneficiária do interesse na reeleição do Chefe do Poder Executivo estadual”.
“Da mesma forma, no programa “Morar Melhor”, a lesividade não é de ínfima extensão. De acordo com os elementos oriundos da instrução do feito, mormente nas notícias veiculadas pela imprensa local, incluindo-se canais oficiais de comunicação, é possível perceber que o projeto foi inicialmente executado em benefício de 1.000 (mil) famílias, sendo expandido ao longo da execução, em ano eleitoral, com objetivo de alcançar até 10.000 (dez mil) reformas no ano de 2022, havendo um claro e evidente desequilíbrio na competição eleitoral, caso pensemos em 10 mil famílias sendo atingidas em um estado com a extensão de Roraima com a reforma ou a esperança de uma reforma, caso houvesse reeleição, claramente condicionada na execução do programa no ano de 2022. Conforme muito bem destacado no parecer da PRE/RR: E a potencialidade lesiva da conduta vedada fica ainda mais cristalina quando se leva em conta dos depoimentos das testemunhas colhidas em juízo (ID 6211014), em que se observa que os beneficiários não se restringem a uma única pessoa, ou seja, somente ao contemplado pelo benefício. É que na maioria dos casos, os beneficiários de fato se estendem aos residentes do domicílio contemplado com o projeto assistencialista e alcançam índices além do alvo máximo estabelecido nos objetivos do projeto, a saber, dez mil residências. Ora, se, em regra, em uma única casa contemplada pelo benefício residem, no mínimo, dois cidadãos, projete-se a quantidade de votos que poderia o representado auferir com a promoção de uma ideia de boa governança. Não há, diante de cenário numérico e financeiro, como não haver sancionamento pelo uso da máquina pública da forma como o foi feito em um contexto de desigualdade latente de competição entre os demais candidatos ao governo e pela gravidade das condutas assumidas e praticadas”.
“Sobre as transferências voluntárias de recursos estaduais a municípios, em período vedado, que totalizaram R$ 70.000.000,00 (setenta milhões de reais) Novamente se demonstrou correta a conclusão adotada pelo TRE/RR no sentido de reconhecer o abuso de poder político e econômico no caso. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que “configura abuso do poder econômico o uso excessivo e desproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de modo a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito, em benefício de determinada candidatura. Já sobre o abuso de poder político, a Corte Superior entende que se caracteriza “como o ato de agente público (vinculado à Administração ou detentor de mandato eletivo) praticado com desvio de finalidade eleitoreira, que atinge bens e serviços públicos ou prerrogativas do cargo ocupado, em prejuízo à isonomia entre candidaturas”.
“A COLIGAÇÃO "RORAIMA MUITO MELHOR" alegou conduta abusiva relacionada à realização de transferência de R$ 70.000.000,00 (setenta milhões de reais) pelo Governo do Estado de Roraima, às vésperas do início do período vedado pela legislação eleitoral, em favor dos municípios de Alto Alegre, Amajari, Bonfim, Cantá, Caracaraí, Caroebe, Iracema, Normandia, Pacaraima, Rorainópolis, São João da Baliza e Uiramutã. Apesar do sustentado pelos recorrentes de que o Estado estava autorizado a atuar em decorrência da autorização legislativa, a partir da leitura do referido diploma legal, identifica-se uma orientação geral conferida ao Estado, que a partir de sua discricionariedade e escolha, executaria de forma a, em tese, atender o comando normativo. Ocorreu no caso um excesso no emprego de recursos financeiros para desequilibrar a campanha eleitoral, concretizando o abuso de poder econômico na espécie, o qual “ocorre pelo uso exorbitante de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a isonomia da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura”.
“Além do nítido conchavo político entre os prefeitos beneficiados com as transferências milionárias, chama a atenção o fato de que em 2019, 2020 e, principalmente, em 2021 os mesmos municípios foram assolados por chuvas torrenciais em período similar, não havendo, naqueles anos, nenhum repasse de recursos do Governo do Estado para auxiliar o momento de crise, mesmo diante da decretação de estado de emergência por 14 (quatorze) municípios”.
“Restou consignado, ainda, pela Corte Regional, que a quantidade de recursos empregados na referida ajuda aos municípios extrapolou toda e qualquer outra medida já empregada durante os três primeiros anos de mandato de Antonio Denarium. Dados do portal da transparência, o valor mais alto gasto com medidas de enfrentamento em situações de emergência e calamidade foi em 2021 na ordem de R$ 168.113,00 (cento e sessenta e oito mil e cento e treze reais), enquanto no ano de 2022, apesar da previsão orçamentária de R$ 1.642.000,00 (um milhão seiscentos e quarenta e dois reais), houve o repasse ora analisado de R$ 69.800.000,00 (sessenta e nove milhões e oitocentos mil reais), não havendo o que questionar sobre a gravidade da conduta nem o grau de lesividade em um ano de eleição”
“Desvirtuamento de publicidade institucional. Com relação ao alegado gasto de publicidade institucional superior à média de gastos pela gestão estadual durante o mandato, verifica-se que o TRE/RR refutou tal fato por não estar comprovada a alegação da inicial, razão pela qual não se fará sua avaliação. Já no tocante ao desvirtuamento da publicidade institucional, tem-se que seu conceito, é a de marketing produzido ou veiculada com recursos públicos com finalidade igualmente pública. Por outro lado, e conforme a orientação desse Tribunal Superior Eleitoral, “ainda que tenha havido ilicitude na conduta dos administradores municipais, por veicularem propaganda institucional em período vedado, para a imposição da sanção de inelegibilidade por abuso de poder, é necessário demonstrar que tal prática quebrou a isonomia e a normalidade das eleições”.
“Contudo, o abuso ora avaliado se configura em um cenário de diversas condutas que somadas demonstram um cenário que confirma a conduta abusiva e reclama pela manutenção do acórdão do TRE/RR. A análise é sob o prisma do abuso de poder em razão do “conjunto da obra”, isto é, levando-se em consideração a globalidade dos fatos. Nesse sentido, segue precedente desse TSE: […] A possibilidade de reconhecimento de litispendência entre ações eleitorais nas quais se discuta a mesma relação jurídica-base pressupõe identidade absoluta de fatos, inexistência de provas novas e ausência da pretensão de exame da gravidade sob a ótica do conjunto da obra”.
“Contudo, se examinados sistematicamente, isto é, tendo em vista o “conjunto da obra”, não há dúvidas de que são graves a ponto de caracterizar abuso de poder político e econômico, porque evidenciam a prática ostensiva de ações governamentais, com a utilização exacerbada de recursos públicos, objetivando inculcar na mente do eleitorado a ideia de que a reeleição de ANTÔNIO DENARIUM seria a melhor opção na disputa eleitoral que se avizinhava”.
“Em outras palavras, os atos praticados, a toda evidência, apresentam o condão de conspurcar a legitimidade do processo eleitoral nas eleições para o cargo de governador do Estado de Roraima, relevando-se como adequado o reconhecimento do abuso de poder. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL manifesta-se pelo não provimento dos recursos ordinários”.